Disse Alice nadando em todas as direções, tentando sair dali:
- "Serei castigada, acho, porque creio que vou me afogar em minhas próprias lágrimas. Será um acontecimento extraordinário. Mas hoje só estão acontecendo coisas extraordinárias!"
sábado, 14 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Permacultura
A permacultura é um método holístico para planejar, atualizar e manter sistemas de escala humana (jardins, vilas, aldeias e comunidades) ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis.
Foi criada pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren na década de 1970. O termo, cunhado na Austrália, veio de permanent agriculture, e mais tarde se estendeu para significar permanent culture. A sustentabilidade ecológica, idéia inicial, estendeu-se para a sustentabilidade dos assentamentos humanos.
Os princípios da Permacultura vem da posição de Mollison de que "a única decisão verdadeiramente ética é cada um tomar para si a responsabilidade de sua própria existência e da de seus filhos" (Mollison, 1990). A ênfase está na aplicação criativa dos princípios básicos da natureza, integrando plantas, animais, construções, e pessoas em um ambiente produtivo e com estética e harmonia. E, neste ponto encontra paralelos com a Agricultura Natural, que sendo difundida intencionalmente pelas pesquisas de Masanabu Fukuoka por todo o mundo, chegaram as mãos dos senhores fundadores da permacultura e foram por eles desenvolvidas.
Permacultura é uma síntese das práticas agrícolas tradicionais com idéias inovadoras. Unindo o conhecimento secular às descobertas da ciência moderna, proporcionando o desenvolvimento integrado da propriedade rural de forma viável e segura para o agricultor familiar.
A permacultura, além de ser um método para planejar sistemas de escala humana, proporciona uma forma sistêmica de se visualizar o mundo e as correlações entre todos os seus componentes. Serve, portanto, como meta-modelo para a prática da visão sistêmica, podendo ser aplicada em todas as situações necessárias, desde como estruturar o habitat humano até como resolver questões complexas do mundo empresarial.
Permacultura é a utilização de uma forma sistêmica de pensar e conceber princípios ecológicos que podem ser usados para projetar, criar, gerir e melhorar todos os esforços realizados por indivíduos, famílias e comunidades no sentido de um futuro sustentável.
A Permacultura origina-se de uma cultura permanente do ambiente. Estabelecer em nossa rotina diária, hábitos e costumes de vida simples e ecológicos - um estilo de cultura e de vida em integração direta e equilibrada com o meio ambiente, envolvendo-se cotidianamente em atividades de auto-produção dos aspectos básicos de nossas vidas referentes a abrigo, alimento, transporte, saúde, bem-estar, educação e energias sustentáveis. (RICIARDI, Ju. 2008)
http://blog.permacultura-bahia.org.br/
sábado, 7 de fevereiro de 2009
Isolou-se do mundo que a cercava. Encarnou de vezes sua própria pessoa. Trancou-se no seu quarto e ali ficou durante meses. Não sabia que forçaram-na antes de nascer a trancar as portas e a esconder as chaves. Estava literalmente presa dentro de si mesma. Entregou-se a loucura.
DIAGNÓSTICO: Interiorização da criação artistica. Projeta uma reflexão individual e reflexiva.
Passou a jogar dados pra passar o tempo e adorava sonhar. “Sonhei que varria a lua. Varria pétalas. O Cavaleiro Azul me levou pra cavalgar"
Puro expressionismo.
Acordou numa dessas madrugadas chuvosas em prantos. Dispiu-se como se rasgasse o corpo e saiu a correr rua à fora. Jogou-se num dos muros da vizinhança. Suas lagrimas dessa vez confundia-se com as gotas da chuva. Sentia-se presa, dentro de si própria. Entrou em transe. Uma voz rasteira atropolou-a os ouvidos: Procure por Fauvismo. Ele lhe mostrará novos caminhos... "Uma arte do equilíbrio, da pureza e da serenidade, destituída de temas perturbadores ou deprimentes". Ira conhecer cavaleiros que guiavam a cultura de seus tempos.
Quem sabe eu ainda sou uma garotinha
Esperando o ônibus da escola sozinha
Cansada com minhas meias três-quartos
Rezando baixo pelos cantos
Por ser uma menina má.
Quem sabe o príncipe virou um chato
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar
Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança e não conheço a verdade
Eu sou poeta e não aprendi a amar
Bobeira é não viver a realidade
E eu ainda tenho uma tarde inteira
Eu ando nas ruas, eu troco um cheque
Muda uma planta de lugar
Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo pra cantar...
A Era do Vazio
Vivemos mais do que nunca num mundo de pessoas desprovidas de um sentido para a sua vida, de uma luz que parecem nunca alcançar...
Porque será este sentimento de vazio tão frequente nas pessoas de hoje?
Estamos perante pessoas que investem mais do que nunca na sua imagem, no culto do corpo, verifica- se cada vez mais uma tendência nárcisica para compensar essa falha elementar do ego. Obviamente que todo e qualquer ser humano é resultado das interacções recíprocas entre si e a sociedade que o rodeia. Dado que este sentimento de vazio é transversal as sociedades ocidentais...impera-se uma análise mais alargada do fenómeno que tem a sua génese, não só, mas também nas sociedades ocidentais.
O individuo tem nas suas relações sociais primárias o contacto com a figura materna, mais tarde com o seu grupo de pares e assim por diante. O homem está intrincado de relações sociais desde sempre. Mesmo em fase intra- uterina até à sua morte é por excelencia uma peça no todo que constituí este xadrez social com todas as interações hierarquizadas, esteritipadas, mais ou menos definidas e aceites pelos actores sociais que a constituem.
A Sociedade está a mudar, os tempos são de transição como refere Boaventura de Sousa Santos, existe uma transição de paradigmas... na ciência, nos valores... Estes tempos de transição que se vivem causam obviamente angustia ao homem que se vê de certa maneira desancorado.
Nunca o homem investiu tanto em si, nunca investiu tanto na sua imagem, numa vida a sós, hoje as pessoas são muito mais individualistas, até mesmo nas relações, aliás há uma crise de valores, decorrente dessa crise de valores encontramos relações cada vez mais descartavéis, bem como um crescente descontentamento da sua propria vida nos mais variados domínios.
O homem tem desinvestido em si numa outra dimensão, na diemensão dos afectos, da partilha, do longo prazo em deterimento do aqui e do agora.
O Sujeito procura um prazer imediato, uma droga, uma pessoa, um afecto, alias ,um pseudo- afecto, na tentativa de colmatar o mau estar que carrega dentro de si e que de alguma forma lhe é reforçado positivamente e legitimado pelos meios de comunicação, pela sociedade em geral.
A comunicação social é sem dúvida uma grande responsável por isto, dá ao sujeito algum conteúdo que este julga ser o bem para todos os seus males e angustias, nem que para isso se banalizem coisas tão importantes como o conceito de amizade, sexo, amor. Neste sentido assistimos a uma sociedade que não está bem e como reflexo disso teremos também sujeitos não muito felizes... Não querendo ser interpretado como conservador, não direi que a sociedade de hoje é pior do que a que passou... simplesmente reflito em alguns aspectos que me parecem ser reflectidos... Para onde vamos sem sabermos? Corremos todos sem excepção, como um todo colectivo que somos, o risco de nos perdermos nesta busca patológica do narcisismo exarcerbado e superficial que só nos alimentará cada vez mais este vazio permanente, assim como se de uma droga se tratasse...
Nem tudo é mau vivemos também numa era de maior respeito por o ser humano, pela dignidade humana, mas a verdade e que essas declarações e convensões universais só farão sentido e só darão frutos se começarmos pelo respeito por cada um de nós, por nós próprios e pelos outros semelhantes.
© Carlos Veiga
Joana Vieira Tuttoilmondo
Barcelos Neto, Aristóteles. A arte dos sonhos – uma iconografia ameríndia, Lisboa, Museu Nacional de Etnologia/Assírio & Alvim, 2002, 276 pp.
Sabemos que a autonomia da arte é um conceito ocidental. Mais do que isso, poderíamos dizer, uma meia-verdade ocidental. Afinal, como toda manifestação artística encerra obrigatoriamente uma atribuição de sentido, atribuições e sentidos que são sociais, a tal autonomia revela-se uma ficção.
Boa parte dos recentes estudos antropológicos voltados à compreensão das formas expressivas (plásticas, visuais, orais, musicais, performáticas etc.), com que tenho tomado contato, toma para si a preocupação de deslindar esses sentidos, integrando seu material de estudo (pinturas, desenhos, imagens, rituais, performances, músicas etc.) às demais dimensões da vida social, sem perder de vista o que há de específico e concreto na expressão não-verbal.
O livro de Aristóteles Barcelos Neto, A arte dos sonhos, apresenta uma reflexão consistente e encantadora, que encara de frente esse desafio. No texto – resultado de sua pesquisa entre os Wauja, realizada durante o mestrado – Barcelos Neto analisa uma série de desenhos realizados por xamãs-artistas. Na maioria deles, figuram seres sobrenaturais antropomórficos ou zoomórficos chamados apapaatai ou yerupoho. Com base nos desenhos, o autor se propõe a apontar como os Wauja percebem seu lugar no mundo e sua relação com os seres extra-humanos. As imagens – expressões visuais – são vistas como modos de reflexão cosmológica e ontológica.
O resultado é, em grande parte, tributário das capacidades interpretativas dos informantes. O próprio autor explicita que seu campo investigativo foi construído em conjunto com os informantes-desenhistas (p. 42), firmando suas opções metodológicas. Entram, por um lado, uma recapitulação da bibliografia sobre os Wauja e uma comparação com outros povos do Xingu, uma análise antropológica – fruto de suas cuidadosas observações etnográficas – sobre alimentação, adoecimento e cura, uma análise iconográfica do grafismo e do caráter formal dos desenhos. Por outro lado, inserem-se as considerações dos autores sobre seus desenhos, relacionados a experiências como o sonho e o transe, as interpretações nativas e a consideração do que os Wauja desejam expressar.
Nesse movimento, a compreensão dos desenhos ganha densidade à medida que são apresentadas as narrativas míticas de seus informantes. Revela-se uma correspondência complementar entre os mitos e a produção artística dos Wauja. Essa complementaridade, em vez de postulada, evidencia-se no enfrentamento do material. Ao final da leitura, os casos analisados delineiam com precisão e beleza o que o autor chama de ontologia e cosmologia plásticas wauja (p. 116).
Se ficássemos apenas no nível da fruição estética dos desenhos, o livro já propiciaria bons momentos. São belos os desenhos. Mas por que me pareceram belos? Para além da inegável precisão dos traços, do sentido de composição, do jogo de cores, do caráter sintético, do cuidado com a simetria, do ritmo, da complexidade formal etc., sua "beleza" está no quanto eles reportam a outras dimensões, no quanto eles deslindam informações que só podem ser claramente acessadas por meio das imagens.
Barcelos Neto apresenta como os desenhos se referem à relação dos Wauja com os seres extra-humanos, inserindo esta produção plástica no fluxo da vida cotidiana. Os episódios narrados pelo autor não são anedotas; por meio deles se evidencia um sistema relacional mais amplo, que sustenta e dá inteligibilidade a essa produção.
Em paralelo à análise sobre os Wauja, são fornecidas informações sobre o contexto de pesquisa, o que promove um ganho à leitura. A ida do autor a campo foi precedida por estudos feitos em coleções de diversos museus – Museu do Índio e Museu Nacional, no Rio de Janeiro, Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás e Museu de Arqueologia e Etnologia da USP – e compreendeu também um período de coleta de acervo para o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia.
Vale mencionar ainda outras realizações de Barcelos Neto na área museológica, como as exposições Os índios, nós e Com os índios Wauja – objetos e personagens de uma coleção amazônica, ambas realizadas no Museu Nacional de Etnologia de Lisboa, em 2000 e 2004, respectivamente. Com essas iniciativas, Aristóteles procurou trazer para o âmbito museológico o contexto de produção e circulação de objetos e sentidos. A arte dos sonhos não deixa de ser resultado da interrogação feita pelo autor aos objetos (nesse caso, os desenhos) no lugar em que eles foram recolhidos e com a colaboração de seus interlocutores.
Embora Aristóteles afirme que seu estudo se coloca num campo mais amplo do que a reflexão sobre as coleções antropológicas em museus – afirmação com a qual concordo integralmente –, algumas considerações que ele tece a respeito de seu próprio fazer se estendem a todos os processos museológicos de coleta. As trajetórias históricas e as redes de sociabilidade que envolvem os artefatos (sua produção e utilização) tendem a desaparecer quando eles ingressam numa reserva técnica de museu. A etnografia e a memória dos integrantes das sociedades produtoras desses objetos são capazes de recompor essa trama, e é nesta direção que os estudos sobre cultura material têm se conduzido mais recentemente.
O significado de cada motivo não deve ser procurado per se – erro que estudos de cultura material baseados apenas em coleções de museus podem cometer. "O entendimento do significado do grafismo wauja assenta-se menos nele próprio do que na agência de seus criadores" (p. 172). Conforme nos mostra Aristóteles, a arte permite um contato menos perigoso e, em um certo sentido, domesticado, com os seres extra-humanos.
O entendimento da imagem na sua inserção social é diferente da mera e vulgar contextualização. A meu ver, um dos maiores méritos do livro é aliar a compreensão das imagens à compreensão da sociedade sem recair em explicações deterministas ou causais. Como bem coloca o autor, os desenhos eram uma oportunidade de os Wauja produzirem reflexões a respeito de si próprios (p. 45).
Em A arte dos sonhos, as imagens são tratadas como estratégias para se conhecer a sociedade que as produz. Se um dia tais desenhos acabarem integrando a coleção de algum museu, certamente essa reflexão que envolveu sua coleta possibilitará que o contexto social de existência das imagens seja recuperado. É claro que não basta haver o estudo para que os liames sociais dos objetos mantenham-se articulados aos objetos nessa nova vida que eles passam a ter no contexto institucional do museu. Mas isso já é uma outra história.
Bibliografia
BARCELOS NETO, A. 2000 Os índios, nós, Lisboa, Museu Nacional de Etnologia.
2004 Com os índios Wauja – objetos e personagens de uma coleção amazônica, Lisboa, Museu Nacional de Etnologia.
Sabemos que a autonomia da arte é um conceito ocidental. Mais do que isso, poderíamos dizer, uma meia-verdade ocidental. Afinal, como toda manifestação artística encerra obrigatoriamente uma atribuição de sentido, atribuições e sentidos que são sociais, a tal autonomia revela-se uma ficção.
Boa parte dos recentes estudos antropológicos voltados à compreensão das formas expressivas (plásticas, visuais, orais, musicais, performáticas etc.), com que tenho tomado contato, toma para si a preocupação de deslindar esses sentidos, integrando seu material de estudo (pinturas, desenhos, imagens, rituais, performances, músicas etc.) às demais dimensões da vida social, sem perder de vista o que há de específico e concreto na expressão não-verbal.
O livro de Aristóteles Barcelos Neto, A arte dos sonhos, apresenta uma reflexão consistente e encantadora, que encara de frente esse desafio. No texto – resultado de sua pesquisa entre os Wauja, realizada durante o mestrado – Barcelos Neto analisa uma série de desenhos realizados por xamãs-artistas. Na maioria deles, figuram seres sobrenaturais antropomórficos ou zoomórficos chamados apapaatai ou yerupoho. Com base nos desenhos, o autor se propõe a apontar como os Wauja percebem seu lugar no mundo e sua relação com os seres extra-humanos. As imagens – expressões visuais – são vistas como modos de reflexão cosmológica e ontológica.
O resultado é, em grande parte, tributário das capacidades interpretativas dos informantes. O próprio autor explicita que seu campo investigativo foi construído em conjunto com os informantes-desenhistas (p. 42), firmando suas opções metodológicas. Entram, por um lado, uma recapitulação da bibliografia sobre os Wauja e uma comparação com outros povos do Xingu, uma análise antropológica – fruto de suas cuidadosas observações etnográficas – sobre alimentação, adoecimento e cura, uma análise iconográfica do grafismo e do caráter formal dos desenhos. Por outro lado, inserem-se as considerações dos autores sobre seus desenhos, relacionados a experiências como o sonho e o transe, as interpretações nativas e a consideração do que os Wauja desejam expressar.
Nesse movimento, a compreensão dos desenhos ganha densidade à medida que são apresentadas as narrativas míticas de seus informantes. Revela-se uma correspondência complementar entre os mitos e a produção artística dos Wauja. Essa complementaridade, em vez de postulada, evidencia-se no enfrentamento do material. Ao final da leitura, os casos analisados delineiam com precisão e beleza o que o autor chama de ontologia e cosmologia plásticas wauja (p. 116).
Se ficássemos apenas no nível da fruição estética dos desenhos, o livro já propiciaria bons momentos. São belos os desenhos. Mas por que me pareceram belos? Para além da inegável precisão dos traços, do sentido de composição, do jogo de cores, do caráter sintético, do cuidado com a simetria, do ritmo, da complexidade formal etc., sua "beleza" está no quanto eles reportam a outras dimensões, no quanto eles deslindam informações que só podem ser claramente acessadas por meio das imagens.
Barcelos Neto apresenta como os desenhos se referem à relação dos Wauja com os seres extra-humanos, inserindo esta produção plástica no fluxo da vida cotidiana. Os episódios narrados pelo autor não são anedotas; por meio deles se evidencia um sistema relacional mais amplo, que sustenta e dá inteligibilidade a essa produção.
Em paralelo à análise sobre os Wauja, são fornecidas informações sobre o contexto de pesquisa, o que promove um ganho à leitura. A ida do autor a campo foi precedida por estudos feitos em coleções de diversos museus – Museu do Índio e Museu Nacional, no Rio de Janeiro, Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás e Museu de Arqueologia e Etnologia da USP – e compreendeu também um período de coleta de acervo para o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia.
Vale mencionar ainda outras realizações de Barcelos Neto na área museológica, como as exposições Os índios, nós e Com os índios Wauja – objetos e personagens de uma coleção amazônica, ambas realizadas no Museu Nacional de Etnologia de Lisboa, em 2000 e 2004, respectivamente. Com essas iniciativas, Aristóteles procurou trazer para o âmbito museológico o contexto de produção e circulação de objetos e sentidos. A arte dos sonhos não deixa de ser resultado da interrogação feita pelo autor aos objetos (nesse caso, os desenhos) no lugar em que eles foram recolhidos e com a colaboração de seus interlocutores.
Embora Aristóteles afirme que seu estudo se coloca num campo mais amplo do que a reflexão sobre as coleções antropológicas em museus – afirmação com a qual concordo integralmente –, algumas considerações que ele tece a respeito de seu próprio fazer se estendem a todos os processos museológicos de coleta. As trajetórias históricas e as redes de sociabilidade que envolvem os artefatos (sua produção e utilização) tendem a desaparecer quando eles ingressam numa reserva técnica de museu. A etnografia e a memória dos integrantes das sociedades produtoras desses objetos são capazes de recompor essa trama, e é nesta direção que os estudos sobre cultura material têm se conduzido mais recentemente.
O significado de cada motivo não deve ser procurado per se – erro que estudos de cultura material baseados apenas em coleções de museus podem cometer. "O entendimento do significado do grafismo wauja assenta-se menos nele próprio do que na agência de seus criadores" (p. 172). Conforme nos mostra Aristóteles, a arte permite um contato menos perigoso e, em um certo sentido, domesticado, com os seres extra-humanos.
O entendimento da imagem na sua inserção social é diferente da mera e vulgar contextualização. A meu ver, um dos maiores méritos do livro é aliar a compreensão das imagens à compreensão da sociedade sem recair em explicações deterministas ou causais. Como bem coloca o autor, os desenhos eram uma oportunidade de os Wauja produzirem reflexões a respeito de si próprios (p. 45).
Em A arte dos sonhos, as imagens são tratadas como estratégias para se conhecer a sociedade que as produz. Se um dia tais desenhos acabarem integrando a coleção de algum museu, certamente essa reflexão que envolveu sua coleta possibilitará que o contexto social de existência das imagens seja recuperado. É claro que não basta haver o estudo para que os liames sociais dos objetos mantenham-se articulados aos objetos nessa nova vida que eles passam a ter no contexto institucional do museu. Mas isso já é uma outra história.
Bibliografia
BARCELOS NETO, A. 2000 Os índios, nós, Lisboa, Museu Nacional de Etnologia.
2004 Com os índios Wauja – objetos e personagens de uma coleção amazônica, Lisboa, Museu Nacional de Etnologia.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
A arte abstrata tende a suprimir toda a relação entre a realidade e o quadro, entre as linhas e os planos, as cores e a significação que esses elementos podem sugerir ao espírito. Quando a significação de um quadro depende essencialmente da cor e da forma, quando o pintor rompe os últimos laços que ligam a sua obra à realidade visível, ela passa a ser abstrata.
Cena I
Aquela moça abstrata, que pensava abstrações... Carregou por muito tempo em seu balde o quebra-cabeças do "Der blaue Reiter" (Cavaleiro Azul). Tinhas sonhos constantes com o nome Kandinsky. O nome vinha como ecos infinitos que só tinham fim quando ela acordava... Além do nome, soluçavam que: A essência dos seres se revela na abstração... Tanta blasfêmia... Coitada, foi crucificada pelos nazistas. Então se fizeram brotar Raionismos... Foram-se cores Gotejando (dripping) sobre a ponte.
Axé, Iberê Camargo... O gato miou 50 vezes.
A Bauhaus propõe uma arte funcional, e não apenas decorativa, que atenda às necessidades da sociedade industrial e torne mais harmonioso o cotidiano das pessoas. Com o objetivo de formar artistas capazes de ligar a arte à produção industrial.
Cena 2
Sonhou que matava a sede naquela saliva... Correu atrás de Pólim da flôr do mal me quer na Bauhaus (Casa da costrução).
Dadá - Caracteriza-se pelo desejo de destruir as formas de arte institucionalizadas e de romper o limite entre as várias modalidades artísticas. Os artistas opõem-se à sociedade materialista, vista como fracassada por promover a guerra, e propõem ignorar o conhecimento até então acumulado pela humanidade.
Cena 3
Abriu seu dicionário e escolheu ao acaso qualquer palavra. Pegou seu telefone. Discou números aleatórios e disse aquela palavra sem medo. Sintiu-se livre. Senti em sua respiração toda aquela liberdade. Abriu seus braços deixando o telefone cair no chão. Girou feito pião enlouquecido. E gritou ao Roberto DaMatta: O que é o Brasil? Gugu-Dadá...
http://br.geocities.com/vinicrashbr/principal/MovimentosArtisticos.htm
Aquarela Manchada... A Arte Borrada...
Quem Vai
Da à cara pra bater
Nessa escuridão onde há luz
E não quer se perceber.
Salve a pureza
Os corações puros
Pureza triste
Mas que ainda existe e resiste
As mãos que consomem
Separam a carne
Mudam as cabeças de lugar...
Aquarela Manchada
A Arte borrada
O que resta é o amor
O amor suporta a dor?
“A música deveria inflamar o coração do homem e trazer lágrimas aos olhos da mulher.”
(Beethoven)
Desde que a arte se tornou ideológica, ou seja, a obra deixou de ser um produto artístico estético para se tornar apenas uma ideia. Aliada a ideologia capitalista, a indústria cultural pelos meios da comunicação de massa passou a determinar os modismos, as escolhas e a manipulação do gosto, criando com isso seus deuses e reis.
Na música, considerada por Schopenhauer como “arte suprema”, no século XX com a invenção do disco e do rádio, ela aos poucos começou a se tornar acessível, se globalizando e com isso começou a aparecer os primeiros artistas pop.
Assim como a Alemanha nos séculos passados produziu alguns dos maiores compositores da música erudita, os Estados Unidos por sua vez foi o que mais criou os gênios da música nas últimas décadas, seguida pelos ingleses, mas estes para se afirmarem tinham que se consagrarem em solo americano.
É inegável a contribuição para a cultura à criação dos estilos surgidos na América: O Jazz, o Blues, o Soul, o Rock, o Country. Gêneros que evoluíram e muitas vezes se misturaram para se tornar à base de quase toda música ocidental.
Hoje com as mudanças que ocorreram no mundo a partir das revoluções tecnológicas é impossível dizer que ainda nascerá um fenômeno tal como foi os Beatles, Pink Floyd, Frank Sinatra, Elvis Presley, James Brown, Stevie Wonder entre tantos outros que marcaram seus nomes como clássicos do pop.
Porém, destes que foram grandes nomes e ainda continuam vivos, nem eles conseguem ser eles mesmos, como se suas mentes se atrofiassem para a criação, mas que mesmo assim continuam insistindo em manter o rótulo de pop star, quando gravam um disco novo não conseguem ser nem a sombra dos que foram e quando fazem shows são os famosos “caças níqueis” principalmente nos países de terceiro mundo.
Como é difícil um musico de talento no Brasil ganhar dinheiro, e como é fácil esses velhacos arrastarem multidões a estádios de futebol vendendo apenas a ideia do grande artista que eles foram e não a arte propriamente dita, digo não a arte porque eles mesmos a banalizam transformando-a apenas em industria.
Deleuze disse, a imanência é uma vida, assim então podemos afirmar: como não são chatos, John Lennon, Jimmy Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin, que morreram jovens. Não seria nenhum absurdo dizer, os mortos parecem que estão vivos e os vivos parecem que estão mortos, para dar exemplos brasileiros, esses dias ouvindo Renato Russo me dei conta que já faz mais de uma década da sua morte, como? Parece que foi ontem. O mesmo pode-se dizer de Cazuza: sempre jovens é agradáveis.
Outro fator que no Brasil colabora para a subsistência do artista da musica acima da média é o desprezo da grande mídia, assim por não fazerem parte do gosto do senso comum, a obra, por exemplo, de um Tim maia ou Raul Seixas permanece intacta da degradação.
Seguindo essa reflexão de mortos e vivos, creio eu não ser apenas uma questão de opinião, mas de bom senso, o asco que se tornou o “rei” Roberto Carlos e já faz algum tempo, ele seria muito mais ouvido e respeitado se tivesse parado nos anos 80 do século passado.
Chega a ser inaudível suas parcerias com Daniel, Padre Marcelo, Padre Maria e o não menos ultrapassado Caetano Veloso que com suas regravações chegou ao extremo do mal gosto, podendo até manchar uma carreira brilhante de até um tempo atrás, e além do mais, deixem o Tom Jobim em paz.
Se fosse seguido o exemplo de Chico Buarque que percebendo que não atingiria mais o mesmo nível se afastou, nos legando uma obra perfeita e sempre atual; imanente, uma lenda viva.
Se por um lado alguns defendem a morte da arte e esta substituída pela arte midiática ou, a arte que está em tudo, como pode haver essa substituição se arte midiática é artificialmente estimulada pelos meios de comunicação, de maneira alienada?
Como? Se a arte é, por excelência, contestação?
Para ir contra essa corrente sou obrigado a concordar com Nietzsche quando ele diz:
“ E como poderia haver um ‘bem comum’? A palavra comum é sempre coisa de pouco valor.Finalmente, é preciso que seja como sempre foi: as grandes coisas são reservadas aos grandes, as profundas aos profundos, as delicadezas e os calafrios às almas sublimes, numa palavra, tudo que é raro aos seres raros.’
Para esclarecer o porquê desta citação, o que difere um show dos obsoletos Elton John, Madonna, dos atualíssimos Calypso, dos fenômenos sertanejos que aparecem de uma hora para outra, além dos bípedes cantores do funk carioca?
É preciso esclarecer o chamado grande artista da música, não é porque vendem mais discos ou aparecem mais na mídia porque vendem revista e dão audiência e por esse motivo são considerados mitos, como é o caso de Michal Jackson.
Santo bizarro! O que de tão grandioso ele representa para a música?
Uma fase nostálgica de sua infância em comum com a maioria dos cantores lançados pela Motown e o fenômeno de Billie Jean e Thriller, que visto hoje sem a emoção da época chega a ser tão cômico quanto os detentos das Filipinas quando o imitaram.
Depois disso além do declínio e os fracassos de venda o que o deixou em evidencia a não ser a excentricidade?
Alias, nisso ele foi um gênio, mas achar que superexposição pela polemica é sintoma de genialidade,é pecar contra o espírito santo, é pecar contra a arte.
É claro que esse diagnostico de infecção generalizada na música,e na arte em geral, é quase irreversível, dificilmente os Estados Unidos e alguns canais de televisão aqui no Brasil de tempos em tempos não nos apresentarão a nova moda, mas ainda existem alguns músicos escondidos que ainda são autênticos, que nos dão a música com ênfase a melodia, a poesia, a reflexão, mas se o sucesso aparecer sempre irão entrar em um dilema:
Ou vendem a alma para o diabo, ou sobrevivem no inferno.
Marcos Ribeiro
Verão de 2009
Crítica à arte contemporânea
Segunda-feira, 20/5/2002
Maurício Dias
Não gosto de maior parte da dita arte contemporânea. Mas não tenho conflitos com os artistas que a praticam; todos têm direito a fazer arte. Uma criança de seis anos pode desenhar à vontade, bem como um paciente da Dra. Nise da Silveira podia produzir suas imagens da forma que lhe conviesse. A Dra. Nise, para quem não sabe, foi uma das idealizadoras de um projeto no Rio de Janeiro que incentivava seus pacientes psiquiátricos a praticarem arte.
A arte é uma forma de interação com o mundo, e sua prática é terapêutica a todos, até mesmo pelo simples axioma Machadiano: “Precisamos matar o tempo, ou ele nos mata.”
E desenhar, pintar ou esculpir são uma ótima forma de matar o tempo. Em mais de um sentido: se no século XVII o pintor holandês Vermeer matava o tempo desenhando, suas obras driblaram o tempo, eternizando o artista. O tempo não matou Vermeer, que ainda está entre nós.
Contudo, voltemos ao início do parágrafo anterior: minha briga não é com os artistas contemporâneos; mas com a mídia e os cadernos culturais, que dão um espaço hegemônico a instalações e abstracionismo. Inclusive, chegando a boicotar a boa arte figurativa, talvez por temer que a comparação fizesse o público ver que tem sido constantemente logrado.
Alguém pode argumentar que não há como estabelecer um parâmetro entre estilos tão díspares quanto, digamos, pintores da renascença e abstracionistas americanos. Sei que são mundos completamente diferentes, a pintura perdeu a necessidade de ser uma representação documental por causa da fotografia, mas parâmetros sempre existiram. Basta respeitar os contextos.
Um homem de 1,80 metro é um sujeito alto? Na geração do meu pai era, hoje em dia é comum. Na Suécia 1,80 m deve ser a altura média; na Indonésia deve ser bem alto; na Itália do período gótico seria um gigante. Olha como traçamos um parâmetro entre mundos completamente diferentes. E sempre existiram mais altos e mais baixos, mesmo antes de se convencionarem medidas como pés, polegadas ou centímetros. As medidas são apenas um critério.
Duccio, artista italiano do século XIV, pintava bem? Muito bem. Na sua época a questão da perspectiva não estava bem resolvida, o conhecimento de anatomia não pode ser comparado com o que o Renascimento mostraria duzentos anos depois; mas Duccio estava entre o que havia então de melhor. E resistiu ao crivo dos séculos, sendo grande até hoje.
Expressividade, composição das imagens, uso das cores, anatomia, perspectiva, estes são alguns critérios da pintura. Como polegadas ou centímetros são os critérios de altura.
Alguém pode perguntar: E a criatividade, o senso de observação, a inserção de caracteres pessoais na obra, a interação com o tempo em que se vive, não são critérios para avaliar uma obra visual?
Sim, é claro. Mas estes são critérios pertinentes à todas as artes. Aqueles que listei antes diziam respeito apenas às artes visuais. Uso das cores, anatomia, etc. não dizem respeito à obra de um músico, ou um escritor. Os critérios destas artes são outros, e para saírem-se bem os artistas destas áreas devem dominá-los.
Só o conhecimento pleno de seu métier liberta o artista para dar asas à imaginação. Não gosto de muita coisa que Picasso fez nas décadas de 20 e 30, mas é certo que se ele alcançou a libertação do jugo da forma foi justamente por dominar esta mesma forma em sua plenitude.
Hoje em dia, qualquer grafiteiro de quinze anos quer desconstruir. Não teve nem tempo de aprender a desenhar um pé, mas quer transgredir – embora nem mesmo saiba a que ele quer transgredir.
Uma analogia, para realçar a importância dos critérios: no futebol, que todos nós brazucas conhecemos bem, quando um jogador atinge outro é falta, punida com tiro livre direto. Uma falta mais violenta é punida com o cartão amarelo, a repetição de falta violenta deve ser punida com o cartão vermelho, que acarreta na expulsão do jogador faltoso.
Falta, cartão amarelo, cartão vermelho são critérios do futebol. Se, de uma hora pra outra, acabássemos com estes critérios, quem seria beneficiado? Os craques, como Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Roger e Ricardinho? Ou os beneficiados seriam os pernas-de-pau, os caneleiros, os cabeças-de-bagre?
Pode-se alegar que com a abolição dos critérios se criaria um novo esporte: um porradobol, ou canelobol, que seria uma evolução e segmentação do futebol, como o são o futsal, o futvôlei. Tudo bem. Só que os astros do futsal e do futvôlei não têm, e acho que jamais terão, o mesmo reconhecimento que os craques dos gramados. Seja no número de paixões que despertam, seja no salário que recebem. Nas artes plásticas é o contrário. O filho rebelde ganha mais que o pai milenar, seja em espaço na mídia, espaço físico para exposições, seja em dinheiro pura e simplesmente. Tudo isto, em imensa parte, por causa do beneplácito da mídia.
Se a sociedade contemporânea procura abolir os critérios da pintura, talvez seja justamente por reconhecer que através deles não tem como competir com o passado. O que não é verdade para todos, até porque não há uma competição direta: o fato de eu saber que Rembrandt foi superior tecnicamente ao nosso contemporâneo Lucian Freud não me impede de gostar muito do segundo. E além de Freud, há muitos artistas que nos dias que correm seguem com qualidade a tradição figurativa - embora constantemente boicotados pela mídia, que mais e mais se vê voltada para um conceito algo estranho, fluido e volátil, que é este de “mercado de arte”. Arte é uma mercadoria? Também o é, claro, visto que pode ser comprada ou vendida, mas não é também uma expressão de sentimentos, idéias, saber? Deveria ser julgada pelo seu valor pecuniário ou pelo seu valor artístico?
Até porque este valor pecuniário é estabelecido num certo conluio marchands/críticos, como pode ser visto no livro de James Gardner, Cultura ou Lixo? (Culture or Trash?, Versão em português de Fausto Wolff, Editora Civilização Brasileira.)
Assim, na selva do vale-tudo contemporâneo os critérios seculares foram substituídos por um único e novo critério: bom trânsito com a mídia. E isto se consegue de muitas formas: no período de formação do artista – que é cada vez mais breve – entra-se para grupos e “escolas de artes visuais” que sigam os ditames da moda e já tenham espaço cativo nos periódicos; chama-se críticos de jornais para escrever textos de livros-portfólios, catálogos ou exposições – pois cada vez mais, não há arte visual contemporânea sem texto. A arte já não se explica por si própria, é preciso um texto para tentar ordenar aquele caos e traduzi-lo ao público.
Mais uma vez digo: minha briga não é com os artistas. Não concordo com a idéia de buscar fama e mercado em vez do saber. Mas a opção é deles, que fiquem em paz com suas consciências. E quanto a buscarem a aproximação e simpatia de críticos, eu não seria louco de os censurar por isto; o marketing e o cultivo das boas relações são necessários à sobrevivência do artista, ainda mais num mercado pequeno como o brasileiro. Minha crítica é aos críticos, que aceitam serem cortejados com festas, presentes, etc.
Um crítico que escreve por encomenda para determinados artistas sentir-se-á livre para criticar estes mesmos artistas depois? Ou procurará manter sempre um relacionamento cordial para no futuro obter novos “bicos”?
Enquanto isso, artistas de fora das panelas têm seu talento negado. E como isso é feito? Ora, os críticos de arte não podem falar mal de pintores figurativos que tenham evidente conhecimento de seu ofício. Até porque, se os críticos falassem mal, abririam espaço para uma resposta, geraria polêmica, e isso não interessa a aqueles que têm nas mãos, para usar ao seu bel prazer, uma das mais mortíferas armas de todos os tempos: a mídia. Assim, certos críticos adotam uma postura extremamente hipócrita: simplesmente não mencionam nunca a existência de determinados artistas. “Não posso falar mal, que o cara conhece arte e vai pegar no meu pé. Então o relego ao limbo. Não o menciono. Está tendo uma exposição dele? Não cito. Já que não posso falar mal, simplesmente ignoro.”
Em 2001 a exposição do espanhol Joaquin Sorolla no Rio de Janeiro foi ignorada pelo caderno cultural de um dos maiores jornais do Brasil. Quantas pessoas que poderiam ter se interessado pela obra não deixaram de ir ao Museu Nacional de Belas Artes simplesmente por não terem sido informadas, função esta que cabe aos jornalistas e críticos de arte? Se eu me queixo por isto, não é porque considere Sorolla uma vítima de nada. A um homem com um talento daqueles dificilmente poder-se-á atribuir a condição de vítima, visto que tal talento é uma bênção. Além disso, na sua terra natal sua obra é reconhecida e o museu que leva seu nome é bem apreciado. Ele já está morto há mais de sessenta anos, e teve uma vida confortável e produtiva; não lhe fará diferença nenhuma o fato de sua obra não ter sido devidamente admirada numa cidade de um país periférico. A vítima, quem sofreu com o silêncio sobre a exposição, foi o público carioca, que perdeu a oportunidade de ver uma grande obra.
E isto vive acontecendo em escala menor, com artistas nacionais, vivos, que se vêem privados do contato com o público, uma das metas da arte.
E este tipo de pensamento radicalmente anti-acadêmico, talvez até mesmo uma ideologia, já domina nossas faculdades de artes há pelo menos trinta anos. As provas e os cursos de mestrado em belas-artes tem um percentual enorme de arte contemporânea em sua bibliografia. Daí, quem não gosta de arte contemporânea muitas vezes desiste de fazer o mestrado. O que acarreta num controle cada vez maior desta – repito – ideologia sobre nossa intelectualidade.
Esta situação se repete pelo mundo todo, mas no Rio de Janeiro, particularmente, um fato contribuiu para isto: a transferência da Escola de Belas Artes da UFRJ do centro da cidade para a Ilha Universitária do Fundão. No centro, a escola estava próxima do Museu Nacional, assim como do núcleo vital da vida urbana: dos chopes da Cinelândia, da malandragem boêmia da Lapa, dos executivos engravatados – eventuais mecenas. No Fundão não há nada senão estudantes e professores. E chegar lá sem carro não é tarefa das mais fáceis, o que isola ainda mais o lugar.
Na época da transferência da EBA o centro do Rio ainda não estava coalhado de espaços culturais, iniciativas louváveis que se seguiram ao pioneirismo bem-sucedido do Centro Cultural Banco do Brasil. Hoje, com tantas casas de cultura no centro da cidade, seria ainda mais importante que os alunos de belas artes se beneficiassem de uma proximidade com tais espaços. Para sua própria formação enquanto estudantes, assim como para a divulgação de seus trabalhos.
Some-se a isto o fato de a pintura não ser uma arte totalmente integrada ao cotidiano brasileiro, sendo sua apreciação restrita às elites. Nos países de grande tradição em pintura, como Espanha e Holanda, qualquer cozinheira ou operário sabe dizer ao menos os nomes dos mais importantes pintores locais. Já aqui, onde há um volume de leitura insatisfatório, a educação pública é uma vergonha e o índice de analfabetismo funcional é alto, as palavras dos formadores de opinião ganham um peso enorme. Mesmo que eles sejam jornalistas sem nenhuma formação específica em artes. Aliás, todo crítico, em qualquer área, deveria estar minimamente inteirado da práxis do tema que vai abordar.
Como eu perguntei antes: Um homem de 1,80 metro é um sujeito alto?
Essa pergunta só faz sentido porque temos pessoas com menos de 1,80 m, pessoas que medem exatamente 1,80 m e pessoas que medem mais de 1,80 m. Numa sociedade homogeneizada, onde todos tivessem 1,80 m, a pergunta não teria sentido.
E é justamente uma homogeneização, um nivelamento por baixo que todo o sistema de ensino de artes, aliado ao despreparo/manipulação dos críticos está criando. Os efeitos já se fazem sentir em todas as exposições e galerias. Se não se lutar para reverter este quadro, estaremos perdendo décadas, dedicando espaço exagerado ao descartável. Depois será trabalhoso para recobrar o tempo perdido. Poderemos acabar tendo que, como no século XIX, importar professores europeus para vir aqui ensinar desenho e pintura, pois o conhecimento já adquirido por alguns nomes está sendo varrido para debaixo do tapete, em prol do oba-oba pós-moderno. Ou alguém acredita que autodidatismo e o do it yourself vão continuar sendo a tônica indefinidamente, e este troço de “professor” é coisa do passado?
Para ir além
Vou mostrar a seguir uma lista de links onde o leitor poderá, por seus próprios olhos fazer uma comparação entre artistas da antiguidade e contemporâneos de diversas tendências. Não vou, como muitos críticos fazem, omitir aqueles que não se enquadram em meus parâmetros. Veja tudo, e reflita você mesmo.
E já que falamos em artes, depois que o leitor se aventurar pelos links listados, recomendo a leitura dos ensaios de Affonso Romano Sant'anna, que podem ser encontrados em :
http://www.expressoarte.com/abertura2.htm
Sorolla
(Seu lugar deveria ser junto aos pintores do passado, último item desta lista de links. Ao invés disso, ele encabeça a lista apenas por ter sido o pivô de uma crise que me motivou a escrever na época várias cartas a jornais e revistas.)
http://www.getty.edu/art/collections/bio/a786-1.html
www.artchive.com/artchive/S/sorolla.html
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=85097&item=140934
José Bechara
http://www.pr.gov.br/maa/josebechara/obra01.html
(Para avançar, clique em “próxima”, no canto inferior direito. São vinte obras, que consistem em “oxidação sobre lona de caminhão”.)
Renata Cazzani
http://www.renatacazzani.com.br/br/cazzani.asp
(Clicando em “percepções” você poderá ver pareceres elogiosos à obra da artista escritos por Wilson Coutinho, crítico de arte que escreve ocasionalmente em O Globo. Já falei o que acho da proximidade crítico – artista em meu texto acima.)
João Câmara
http://www.joao.camarafilho.nom.br/pt/frme-pinturas.html
(Recomendo um clique na opção que mostra as pinturas do período 1990-1998. Clique nas pinturas desejadas para vê-las ampliadas. O moço sabe pintar.)
http://www.joao.camarafilho.nom.br/pt/index.html
(Aqui voce pode escolher entre pinturas, gravuras e desenhos.)
Eric Fischl
www.ericfischl.com
Com uma página só de estátuas em:
http://www.ericfischl.com/sculpture.htm
http://www.broadartfoundation.org/collection/fischl.html
http://www.gagosian.com/gg/artists/fischl/fischl.html
Lucian Freud
http://www.artchive.com/artchive/ftptoc/freud_ext.html
(Role a barra da direita para baixo e terá acesso ao menu das obras.)
http://www.nga.gov.au/freud/#
Ernesto Neto
http://www25.brinkster.com/eneto/
(Aí poderá ver obras com nomes como “Nave Óvulo Organoide” e “Vórtice Ogum Tempo”. Há também uma entrevista que poderá ser extremamente esclarecedora.)
Jasper Johns
http://www.moma.org/exhibitions/johns/works.html
http://www.philamuseum.org/exhibitions/exhibits/johns.shtml
http://www.artinaclick.com/search/results.asp?fk_Artist=4521
Mais abstracionistas
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=525505&item=290434
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=525505&item=201288
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=525505&item=153346
http://www.artunframed.com/abstract_art_prints.htm
Richard Serra
http://www.guggenheimcollection.org/site/artist_works_144A_0.html
Rubens
http://www.artunframed.com/images/artmis61/rubens14.jpg
http://www.artunframed.com/images/reynolds55/rubens179.jpg
(Veja a tigresa no canto inferior direito.)
http://www.artunframed.com/images/artmis61/rubens13.jpg
http://www.artunframed.com/images/reynolds55/rubens388.jpg
Tiepolo
http://www.artunframed.com/images/artmis63/tiepolo50.jpg
Caravaggio
http://www.artunframed.com/images/artmis41/carava997.jpg
Rembrandt
http://www.artunframed.com/images/artists54/rembran89.jpg
Gerrit van Honthorst
http://www.artunframed.com/images/artmis14/honthorst99.jpg
Millais
http://www.artunframed.com/images/demuth/millais47.jpg
Renoir
http://www.artunframed.com/images/artists54/renoir218.jpg
http://www.artunframed.com/images/artmis59/renoir23.jpg
(Neste mesmo site, http://www.artunframed.com, seria bom que se procurasse pintores como Ticiano [na janela de busca convém escrever Titian, pois o site é em inglês], Velazquez, Goya, Van Gogh, Klimt... Há tantos nomes que merecem ser vistos. A quem não é familiarizado com a história da arte e se interessar pelo assunto, recomendo o livro da Freira Wendy Beckett, História da Pintura [Editora Ática], que é uma agradável e bem produzida introdução.)
Da à cara pra bater
Nessa escuridão onde há luz
E não quer se perceber.
Salve a pureza
Os corações puros
Pureza triste
Mas que ainda existe e resiste
As mãos que consomem
Separam a carne
Mudam as cabeças de lugar...
Aquarela Manchada
A Arte borrada
O que resta é o amor
O amor suporta a dor?
“A música deveria inflamar o coração do homem e trazer lágrimas aos olhos da mulher.”
(Beethoven)
Desde que a arte se tornou ideológica, ou seja, a obra deixou de ser um produto artístico estético para se tornar apenas uma ideia. Aliada a ideologia capitalista, a indústria cultural pelos meios da comunicação de massa passou a determinar os modismos, as escolhas e a manipulação do gosto, criando com isso seus deuses e reis.
Na música, considerada por Schopenhauer como “arte suprema”, no século XX com a invenção do disco e do rádio, ela aos poucos começou a se tornar acessível, se globalizando e com isso começou a aparecer os primeiros artistas pop.
Assim como a Alemanha nos séculos passados produziu alguns dos maiores compositores da música erudita, os Estados Unidos por sua vez foi o que mais criou os gênios da música nas últimas décadas, seguida pelos ingleses, mas estes para se afirmarem tinham que se consagrarem em solo americano.
É inegável a contribuição para a cultura à criação dos estilos surgidos na América: O Jazz, o Blues, o Soul, o Rock, o Country. Gêneros que evoluíram e muitas vezes se misturaram para se tornar à base de quase toda música ocidental.
Hoje com as mudanças que ocorreram no mundo a partir das revoluções tecnológicas é impossível dizer que ainda nascerá um fenômeno tal como foi os Beatles, Pink Floyd, Frank Sinatra, Elvis Presley, James Brown, Stevie Wonder entre tantos outros que marcaram seus nomes como clássicos do pop.
Porém, destes que foram grandes nomes e ainda continuam vivos, nem eles conseguem ser eles mesmos, como se suas mentes se atrofiassem para a criação, mas que mesmo assim continuam insistindo em manter o rótulo de pop star, quando gravam um disco novo não conseguem ser nem a sombra dos que foram e quando fazem shows são os famosos “caças níqueis” principalmente nos países de terceiro mundo.
Como é difícil um musico de talento no Brasil ganhar dinheiro, e como é fácil esses velhacos arrastarem multidões a estádios de futebol vendendo apenas a ideia do grande artista que eles foram e não a arte propriamente dita, digo não a arte porque eles mesmos a banalizam transformando-a apenas em industria.
Deleuze disse, a imanência é uma vida, assim então podemos afirmar: como não são chatos, John Lennon, Jimmy Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin, que morreram jovens. Não seria nenhum absurdo dizer, os mortos parecem que estão vivos e os vivos parecem que estão mortos, para dar exemplos brasileiros, esses dias ouvindo Renato Russo me dei conta que já faz mais de uma década da sua morte, como? Parece que foi ontem. O mesmo pode-se dizer de Cazuza: sempre jovens é agradáveis.
Outro fator que no Brasil colabora para a subsistência do artista da musica acima da média é o desprezo da grande mídia, assim por não fazerem parte do gosto do senso comum, a obra, por exemplo, de um Tim maia ou Raul Seixas permanece intacta da degradação.
Seguindo essa reflexão de mortos e vivos, creio eu não ser apenas uma questão de opinião, mas de bom senso, o asco que se tornou o “rei” Roberto Carlos e já faz algum tempo, ele seria muito mais ouvido e respeitado se tivesse parado nos anos 80 do século passado.
Chega a ser inaudível suas parcerias com Daniel, Padre Marcelo, Padre Maria e o não menos ultrapassado Caetano Veloso que com suas regravações chegou ao extremo do mal gosto, podendo até manchar uma carreira brilhante de até um tempo atrás, e além do mais, deixem o Tom Jobim em paz.
Se fosse seguido o exemplo de Chico Buarque que percebendo que não atingiria mais o mesmo nível se afastou, nos legando uma obra perfeita e sempre atual; imanente, uma lenda viva.
Se por um lado alguns defendem a morte da arte e esta substituída pela arte midiática ou, a arte que está em tudo, como pode haver essa substituição se arte midiática é artificialmente estimulada pelos meios de comunicação, de maneira alienada?
Como? Se a arte é, por excelência, contestação?
Para ir contra essa corrente sou obrigado a concordar com Nietzsche quando ele diz:
“ E como poderia haver um ‘bem comum’? A palavra comum é sempre coisa de pouco valor.Finalmente, é preciso que seja como sempre foi: as grandes coisas são reservadas aos grandes, as profundas aos profundos, as delicadezas e os calafrios às almas sublimes, numa palavra, tudo que é raro aos seres raros.’
Para esclarecer o porquê desta citação, o que difere um show dos obsoletos Elton John, Madonna, dos atualíssimos Calypso, dos fenômenos sertanejos que aparecem de uma hora para outra, além dos bípedes cantores do funk carioca?
É preciso esclarecer o chamado grande artista da música, não é porque vendem mais discos ou aparecem mais na mídia porque vendem revista e dão audiência e por esse motivo são considerados mitos, como é o caso de Michal Jackson.
Santo bizarro! O que de tão grandioso ele representa para a música?
Uma fase nostálgica de sua infância em comum com a maioria dos cantores lançados pela Motown e o fenômeno de Billie Jean e Thriller, que visto hoje sem a emoção da época chega a ser tão cômico quanto os detentos das Filipinas quando o imitaram.
Depois disso além do declínio e os fracassos de venda o que o deixou em evidencia a não ser a excentricidade?
Alias, nisso ele foi um gênio, mas achar que superexposição pela polemica é sintoma de genialidade,é pecar contra o espírito santo, é pecar contra a arte.
É claro que esse diagnostico de infecção generalizada na música,e na arte em geral, é quase irreversível, dificilmente os Estados Unidos e alguns canais de televisão aqui no Brasil de tempos em tempos não nos apresentarão a nova moda, mas ainda existem alguns músicos escondidos que ainda são autênticos, que nos dão a música com ênfase a melodia, a poesia, a reflexão, mas se o sucesso aparecer sempre irão entrar em um dilema:
Ou vendem a alma para o diabo, ou sobrevivem no inferno.
Marcos Ribeiro
Verão de 2009
Crítica à arte contemporânea
Segunda-feira, 20/5/2002
Maurício Dias
Não gosto de maior parte da dita arte contemporânea. Mas não tenho conflitos com os artistas que a praticam; todos têm direito a fazer arte. Uma criança de seis anos pode desenhar à vontade, bem como um paciente da Dra. Nise da Silveira podia produzir suas imagens da forma que lhe conviesse. A Dra. Nise, para quem não sabe, foi uma das idealizadoras de um projeto no Rio de Janeiro que incentivava seus pacientes psiquiátricos a praticarem arte.
A arte é uma forma de interação com o mundo, e sua prática é terapêutica a todos, até mesmo pelo simples axioma Machadiano: “Precisamos matar o tempo, ou ele nos mata.”
E desenhar, pintar ou esculpir são uma ótima forma de matar o tempo. Em mais de um sentido: se no século XVII o pintor holandês Vermeer matava o tempo desenhando, suas obras driblaram o tempo, eternizando o artista. O tempo não matou Vermeer, que ainda está entre nós.
Contudo, voltemos ao início do parágrafo anterior: minha briga não é com os artistas contemporâneos; mas com a mídia e os cadernos culturais, que dão um espaço hegemônico a instalações e abstracionismo. Inclusive, chegando a boicotar a boa arte figurativa, talvez por temer que a comparação fizesse o público ver que tem sido constantemente logrado.
Alguém pode argumentar que não há como estabelecer um parâmetro entre estilos tão díspares quanto, digamos, pintores da renascença e abstracionistas americanos. Sei que são mundos completamente diferentes, a pintura perdeu a necessidade de ser uma representação documental por causa da fotografia, mas parâmetros sempre existiram. Basta respeitar os contextos.
Um homem de 1,80 metro é um sujeito alto? Na geração do meu pai era, hoje em dia é comum. Na Suécia 1,80 m deve ser a altura média; na Indonésia deve ser bem alto; na Itália do período gótico seria um gigante. Olha como traçamos um parâmetro entre mundos completamente diferentes. E sempre existiram mais altos e mais baixos, mesmo antes de se convencionarem medidas como pés, polegadas ou centímetros. As medidas são apenas um critério.
Duccio, artista italiano do século XIV, pintava bem? Muito bem. Na sua época a questão da perspectiva não estava bem resolvida, o conhecimento de anatomia não pode ser comparado com o que o Renascimento mostraria duzentos anos depois; mas Duccio estava entre o que havia então de melhor. E resistiu ao crivo dos séculos, sendo grande até hoje.
Expressividade, composição das imagens, uso das cores, anatomia, perspectiva, estes são alguns critérios da pintura. Como polegadas ou centímetros são os critérios de altura.
Alguém pode perguntar: E a criatividade, o senso de observação, a inserção de caracteres pessoais na obra, a interação com o tempo em que se vive, não são critérios para avaliar uma obra visual?
Sim, é claro. Mas estes são critérios pertinentes à todas as artes. Aqueles que listei antes diziam respeito apenas às artes visuais. Uso das cores, anatomia, etc. não dizem respeito à obra de um músico, ou um escritor. Os critérios destas artes são outros, e para saírem-se bem os artistas destas áreas devem dominá-los.
Só o conhecimento pleno de seu métier liberta o artista para dar asas à imaginação. Não gosto de muita coisa que Picasso fez nas décadas de 20 e 30, mas é certo que se ele alcançou a libertação do jugo da forma foi justamente por dominar esta mesma forma em sua plenitude.
Hoje em dia, qualquer grafiteiro de quinze anos quer desconstruir. Não teve nem tempo de aprender a desenhar um pé, mas quer transgredir – embora nem mesmo saiba a que ele quer transgredir.
Uma analogia, para realçar a importância dos critérios: no futebol, que todos nós brazucas conhecemos bem, quando um jogador atinge outro é falta, punida com tiro livre direto. Uma falta mais violenta é punida com o cartão amarelo, a repetição de falta violenta deve ser punida com o cartão vermelho, que acarreta na expulsão do jogador faltoso.
Falta, cartão amarelo, cartão vermelho são critérios do futebol. Se, de uma hora pra outra, acabássemos com estes critérios, quem seria beneficiado? Os craques, como Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Roger e Ricardinho? Ou os beneficiados seriam os pernas-de-pau, os caneleiros, os cabeças-de-bagre?
Pode-se alegar que com a abolição dos critérios se criaria um novo esporte: um porradobol, ou canelobol, que seria uma evolução e segmentação do futebol, como o são o futsal, o futvôlei. Tudo bem. Só que os astros do futsal e do futvôlei não têm, e acho que jamais terão, o mesmo reconhecimento que os craques dos gramados. Seja no número de paixões que despertam, seja no salário que recebem. Nas artes plásticas é o contrário. O filho rebelde ganha mais que o pai milenar, seja em espaço na mídia, espaço físico para exposições, seja em dinheiro pura e simplesmente. Tudo isto, em imensa parte, por causa do beneplácito da mídia.
Se a sociedade contemporânea procura abolir os critérios da pintura, talvez seja justamente por reconhecer que através deles não tem como competir com o passado. O que não é verdade para todos, até porque não há uma competição direta: o fato de eu saber que Rembrandt foi superior tecnicamente ao nosso contemporâneo Lucian Freud não me impede de gostar muito do segundo. E além de Freud, há muitos artistas que nos dias que correm seguem com qualidade a tradição figurativa - embora constantemente boicotados pela mídia, que mais e mais se vê voltada para um conceito algo estranho, fluido e volátil, que é este de “mercado de arte”. Arte é uma mercadoria? Também o é, claro, visto que pode ser comprada ou vendida, mas não é também uma expressão de sentimentos, idéias, saber? Deveria ser julgada pelo seu valor pecuniário ou pelo seu valor artístico?
Até porque este valor pecuniário é estabelecido num certo conluio marchands/críticos, como pode ser visto no livro de James Gardner, Cultura ou Lixo? (Culture or Trash?, Versão em português de Fausto Wolff, Editora Civilização Brasileira.)
Assim, na selva do vale-tudo contemporâneo os critérios seculares foram substituídos por um único e novo critério: bom trânsito com a mídia. E isto se consegue de muitas formas: no período de formação do artista – que é cada vez mais breve – entra-se para grupos e “escolas de artes visuais” que sigam os ditames da moda e já tenham espaço cativo nos periódicos; chama-se críticos de jornais para escrever textos de livros-portfólios, catálogos ou exposições – pois cada vez mais, não há arte visual contemporânea sem texto. A arte já não se explica por si própria, é preciso um texto para tentar ordenar aquele caos e traduzi-lo ao público.
Mais uma vez digo: minha briga não é com os artistas. Não concordo com a idéia de buscar fama e mercado em vez do saber. Mas a opção é deles, que fiquem em paz com suas consciências. E quanto a buscarem a aproximação e simpatia de críticos, eu não seria louco de os censurar por isto; o marketing e o cultivo das boas relações são necessários à sobrevivência do artista, ainda mais num mercado pequeno como o brasileiro. Minha crítica é aos críticos, que aceitam serem cortejados com festas, presentes, etc.
Um crítico que escreve por encomenda para determinados artistas sentir-se-á livre para criticar estes mesmos artistas depois? Ou procurará manter sempre um relacionamento cordial para no futuro obter novos “bicos”?
Enquanto isso, artistas de fora das panelas têm seu talento negado. E como isso é feito? Ora, os críticos de arte não podem falar mal de pintores figurativos que tenham evidente conhecimento de seu ofício. Até porque, se os críticos falassem mal, abririam espaço para uma resposta, geraria polêmica, e isso não interessa a aqueles que têm nas mãos, para usar ao seu bel prazer, uma das mais mortíferas armas de todos os tempos: a mídia. Assim, certos críticos adotam uma postura extremamente hipócrita: simplesmente não mencionam nunca a existência de determinados artistas. “Não posso falar mal, que o cara conhece arte e vai pegar no meu pé. Então o relego ao limbo. Não o menciono. Está tendo uma exposição dele? Não cito. Já que não posso falar mal, simplesmente ignoro.”
Em 2001 a exposição do espanhol Joaquin Sorolla no Rio de Janeiro foi ignorada pelo caderno cultural de um dos maiores jornais do Brasil. Quantas pessoas que poderiam ter se interessado pela obra não deixaram de ir ao Museu Nacional de Belas Artes simplesmente por não terem sido informadas, função esta que cabe aos jornalistas e críticos de arte? Se eu me queixo por isto, não é porque considere Sorolla uma vítima de nada. A um homem com um talento daqueles dificilmente poder-se-á atribuir a condição de vítima, visto que tal talento é uma bênção. Além disso, na sua terra natal sua obra é reconhecida e o museu que leva seu nome é bem apreciado. Ele já está morto há mais de sessenta anos, e teve uma vida confortável e produtiva; não lhe fará diferença nenhuma o fato de sua obra não ter sido devidamente admirada numa cidade de um país periférico. A vítima, quem sofreu com o silêncio sobre a exposição, foi o público carioca, que perdeu a oportunidade de ver uma grande obra.
E isto vive acontecendo em escala menor, com artistas nacionais, vivos, que se vêem privados do contato com o público, uma das metas da arte.
E este tipo de pensamento radicalmente anti-acadêmico, talvez até mesmo uma ideologia, já domina nossas faculdades de artes há pelo menos trinta anos. As provas e os cursos de mestrado em belas-artes tem um percentual enorme de arte contemporânea em sua bibliografia. Daí, quem não gosta de arte contemporânea muitas vezes desiste de fazer o mestrado. O que acarreta num controle cada vez maior desta – repito – ideologia sobre nossa intelectualidade.
Esta situação se repete pelo mundo todo, mas no Rio de Janeiro, particularmente, um fato contribuiu para isto: a transferência da Escola de Belas Artes da UFRJ do centro da cidade para a Ilha Universitária do Fundão. No centro, a escola estava próxima do Museu Nacional, assim como do núcleo vital da vida urbana: dos chopes da Cinelândia, da malandragem boêmia da Lapa, dos executivos engravatados – eventuais mecenas. No Fundão não há nada senão estudantes e professores. E chegar lá sem carro não é tarefa das mais fáceis, o que isola ainda mais o lugar.
Na época da transferência da EBA o centro do Rio ainda não estava coalhado de espaços culturais, iniciativas louváveis que se seguiram ao pioneirismo bem-sucedido do Centro Cultural Banco do Brasil. Hoje, com tantas casas de cultura no centro da cidade, seria ainda mais importante que os alunos de belas artes se beneficiassem de uma proximidade com tais espaços. Para sua própria formação enquanto estudantes, assim como para a divulgação de seus trabalhos.
Some-se a isto o fato de a pintura não ser uma arte totalmente integrada ao cotidiano brasileiro, sendo sua apreciação restrita às elites. Nos países de grande tradição em pintura, como Espanha e Holanda, qualquer cozinheira ou operário sabe dizer ao menos os nomes dos mais importantes pintores locais. Já aqui, onde há um volume de leitura insatisfatório, a educação pública é uma vergonha e o índice de analfabetismo funcional é alto, as palavras dos formadores de opinião ganham um peso enorme. Mesmo que eles sejam jornalistas sem nenhuma formação específica em artes. Aliás, todo crítico, em qualquer área, deveria estar minimamente inteirado da práxis do tema que vai abordar.
Como eu perguntei antes: Um homem de 1,80 metro é um sujeito alto?
Essa pergunta só faz sentido porque temos pessoas com menos de 1,80 m, pessoas que medem exatamente 1,80 m e pessoas que medem mais de 1,80 m. Numa sociedade homogeneizada, onde todos tivessem 1,80 m, a pergunta não teria sentido.
E é justamente uma homogeneização, um nivelamento por baixo que todo o sistema de ensino de artes, aliado ao despreparo/manipulação dos críticos está criando. Os efeitos já se fazem sentir em todas as exposições e galerias. Se não se lutar para reverter este quadro, estaremos perdendo décadas, dedicando espaço exagerado ao descartável. Depois será trabalhoso para recobrar o tempo perdido. Poderemos acabar tendo que, como no século XIX, importar professores europeus para vir aqui ensinar desenho e pintura, pois o conhecimento já adquirido por alguns nomes está sendo varrido para debaixo do tapete, em prol do oba-oba pós-moderno. Ou alguém acredita que autodidatismo e o do it yourself vão continuar sendo a tônica indefinidamente, e este troço de “professor” é coisa do passado?
Para ir além
Vou mostrar a seguir uma lista de links onde o leitor poderá, por seus próprios olhos fazer uma comparação entre artistas da antiguidade e contemporâneos de diversas tendências. Não vou, como muitos críticos fazem, omitir aqueles que não se enquadram em meus parâmetros. Veja tudo, e reflita você mesmo.
E já que falamos em artes, depois que o leitor se aventurar pelos links listados, recomendo a leitura dos ensaios de Affonso Romano Sant'anna, que podem ser encontrados em :
http://www.expressoarte.com/abertura2.htm
Sorolla
(Seu lugar deveria ser junto aos pintores do passado, último item desta lista de links. Ao invés disso, ele encabeça a lista apenas por ter sido o pivô de uma crise que me motivou a escrever na época várias cartas a jornais e revistas.)
http://www.getty.edu/art/collections/bio/a786-1.html
www.artchive.com/artchive/S/sorolla.html
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=85097&item=140934
José Bechara
http://www.pr.gov.br/maa/josebechara/obra01.html
(Para avançar, clique em “próxima”, no canto inferior direito. São vinte obras, que consistem em “oxidação sobre lona de caminhão”.)
Renata Cazzani
http://www.renatacazzani.com.br/br/cazzani.asp
(Clicando em “percepções” você poderá ver pareceres elogiosos à obra da artista escritos por Wilson Coutinho, crítico de arte que escreve ocasionalmente em O Globo. Já falei o que acho da proximidade crítico – artista em meu texto acima.)
João Câmara
http://www.joao.camarafilho.nom.br/pt/frme-pinturas.html
(Recomendo um clique na opção que mostra as pinturas do período 1990-1998. Clique nas pinturas desejadas para vê-las ampliadas. O moço sabe pintar.)
http://www.joao.camarafilho.nom.br/pt/index.html
(Aqui voce pode escolher entre pinturas, gravuras e desenhos.)
Eric Fischl
www.ericfischl.com
Com uma página só de estátuas em:
http://www.ericfischl.com/sculpture.htm
http://www.broadartfoundation.org/collection/fischl.html
http://www.gagosian.com/gg/artists/fischl/fischl.html
Lucian Freud
http://www.artchive.com/artchive/ftptoc/freud_ext.html
(Role a barra da direita para baixo e terá acesso ao menu das obras.)
http://www.nga.gov.au/freud/#
Ernesto Neto
http://www25.brinkster.com/eneto/
(Aí poderá ver obras com nomes como “Nave Óvulo Organoide” e “Vórtice Ogum Tempo”. Há também uma entrevista que poderá ser extremamente esclarecedora.)
Jasper Johns
http://www.moma.org/exhibitions/johns/works.html
http://www.philamuseum.org/exhibitions/exhibits/johns.shtml
http://www.artinaclick.com/search/results.asp?fk_Artist=4521
Mais abstracionistas
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=525505&item=290434
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=525505&item=201288
http://www.allposters.com/gallery.asp?aid=525505&item=153346
http://www.artunframed.com/abstract_art_prints.htm
Richard Serra
http://www.guggenheimcollection.org/site/artist_works_144A_0.html
Rubens
http://www.artunframed.com/images/artmis61/rubens14.jpg
http://www.artunframed.com/images/reynolds55/rubens179.jpg
(Veja a tigresa no canto inferior direito.)
http://www.artunframed.com/images/artmis61/rubens13.jpg
http://www.artunframed.com/images/reynolds55/rubens388.jpg
Tiepolo
http://www.artunframed.com/images/artmis63/tiepolo50.jpg
Caravaggio
http://www.artunframed.com/images/artmis41/carava997.jpg
Rembrandt
http://www.artunframed.com/images/artists54/rembran89.jpg
Gerrit van Honthorst
http://www.artunframed.com/images/artmis14/honthorst99.jpg
Millais
http://www.artunframed.com/images/demuth/millais47.jpg
Renoir
http://www.artunframed.com/images/artists54/renoir218.jpg
http://www.artunframed.com/images/artmis59/renoir23.jpg
(Neste mesmo site, http://www.artunframed.com, seria bom que se procurasse pintores como Ticiano [na janela de busca convém escrever Titian, pois o site é em inglês], Velazquez, Goya, Van Gogh, Klimt... Há tantos nomes que merecem ser vistos. A quem não é familiarizado com a história da arte e se interessar pelo assunto, recomendo o livro da Freira Wendy Beckett, História da Pintura [Editora Ática], que é uma agradável e bem produzida introdução.)
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
"Não se compram os Olhos"
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