sexta-feira, 27 de novembro de 2009

pesquisa - sala de aula

O mito de que “aluno” veio do latim “a-lumnu” no qual “a-” significaria “não” e “lumnu”, luz, é bastante popular. Eu já ouvi isso diversas vezes em sala de aula. Mas, se você abrir qualquer dicionário da língua portuguesa (como o Houais ou o Aurélio), ou até mesmo de línguas estrangeiras que também tenham essa palavra (como em inglês), você não vai ver essa etimologia. Mas, por que é que as pessoas insistem em dizer que aluno quer dizer “sem luz”?

Não faço idéia. O problema é que, como uma busca rápida no google pode mostrar, esse é um mito bastante famoso. Felizmente, a maioria dos resultados parecem dar a resposta correta (tentando, num favor social, desconstruir essa idéia um tanto bizarra)… apesar de você também encontrar o famoso mito sendo perpetuado.

Pegando “The American Heritage Dictionary of the English Language” (melhor dicionário que eu conheço on-line e que fornece os radicais indo-europeus), é possível entender melhor a formação da palavra aluno, através da palavra latina “alumnu(s)”, palavra que deu origem à forma atual:

Latin, pupil, from alere, to nourish. See al-2 in Appendix I.

Ou seja, “alere”, verbo do qual “alumnus” se originou, simplesmente significa “nutrir-se”. E, pegando esse radical “al-“, a gente pode ver mais algumas curiosidades interessantes:

To grow, nourish.
Derivatives include old, haughty, altitude, enhance, alumnus, coalesce, and prolific.

I. Suffixed (participial) form *al-to-, “grown.” 1a. alderman, old, from Old English eald, ald, old; b. elder1, from Old English (comparative) ieldra, eldra, older, elder; c. eldest, from Old English (superlative) ieldesta, eldesta, eldest; d. Germanic compound *wer-ald- (see w-ro-). a–d all from Germanic *alda-. 2. alt, alto, haughty, hawser; altimeter, altiplano, altitude, altocumulus, altostratus, enhance, exalt, hautboy, from Latin altus, high (“grown tall”), deep.

II. Suffixed form *al-mo-. alma mater, from Latin almus, nurturing, nourishing.

III. Suffixed form *al-o-. adolescent, adult, alible, aliment, alimony, altricial, alumnus; coalesce, from Latin alere, to nourish, and alumnus, fosterling, step-child, originally a participle of alere (“being nourished,” < *al-o-mno-).

IV. Suffixed (causative) form *ol-eye-. abolish, from Latin abolre, to retard the growth of, abolish (ab-, from; see apo-).

V. Compound form *pro-al- (pro-, forth; see per1). proletarian, proliferous, prolific, from Latin prls, offspring.

VI. Extended form *aldh-. althea, from Greek althein, althainein, to get well. (Pokorny 2. al- 26.)

O “al-” de “aluno” é o mesmo “al-” de alimento (vide III) e de “alto” (vide I). Nenhuma referência a formas negativas, luzes ou a qualquer falta de luz.

O fato é que, como você pode supor, nem todo mundo confere as informações que recebe (até por uma questão de tempo) e, como comentado pelo professor Newton Luís Mamede [, ], até mesmo professores universitários costumam proferir essa pérola. É muitíssimo comum alguns alunos não contestarem seus professores (que também são humanos, e têm o direito de errar), e é aí que a história parece se complicar. Já ouvi inúmeros eufemismos pra se evitar usar a palavra aluno – desde sua substituição por “estudante” até “aprendente”. Naturalmente, as pressões sociais são o suficiente para colocar uma palavra em desuso (e eu não tenho nada contra isso), mas como tirar o estigma de uma palavra tão popular (e inocente) como a palavra aluno?

Bom, o Romane Aragão, amigo meu que faz Desenho Industrial na UnB, propôs uma guerra de cartazes (não só sobre esse tema, óbvio), mas achei que seria uma oportunidade perfeita de tratar do assunto em Brasília. O Rafael Alvarenga, outro amigo meu que faz psicologia na UnB, parece ter conseguido uma oportunidade de debatermos o assunto no meio acadêmico (depois eu falo sobre isso).

O fato é que, numa guerra de ideologia, assim como numa guerra de verdade, não tem porquê maltratar pobres inocentes.





ROMANCE ESCOLAR E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
MARIA DO AMPARO BORGES FERRO – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ


Este trabalho é fruto de uma ampla pesquisa para tese de doutoramento em
educação. Trata-se de um estudo de natureza historiográfica a partir de fontes literárias. O texto básico usado como fio condutor é o romance Cazuza de Viriato Corrêa, utilizado largamente como livro didático e/ou paradidático por várias escolas brasileiras no século XX.
A partir deste romance escolar, fêz-se o cruzamento com obras de outros autores como
Machado de Assis, Raul Pompéia e José Lins do Rêgo, entre outros, que enfocam a temática
das representações sociais sobre escola, cotidiano e práticas escolares, apresentada sob a ótica de alunos. Cazuza, como obra literária captura de forma privilegiada uma determinada representação do passado escolar que, depois dos anos trinta, enraizou-se profundamente na memória coletiva. Justifica-se dessa forma, a consideração do romance como objeto de estudo e como documento histórico. O pequeno romance sintetiza e condensa uma perspectiva do passado e um projeto de futuro que, a partir da década de trinta tornou-se quase mítica.
O período estudado estende-se do final do século XIX e início do século XX –
tempo apresentado no desenrolar da obra – visto através da década de trinta quando foi escrita e publicada em sua primeira edição. Neste espaço de tempo, no Brasil, foi construída uma memória, uma representação sobre a escola, e sobre o professor, sua formação e práticas escolares, que durante muito tempo foi hegemônica e que está presente em muitas obras sobre educação, mas que é especialmente nítida em algumas obras literárias. A pretensão é resgatálas para os estudos sobre o cotidiano escolar, a formação e prática dos professores, e consequentemente para os estudos históricos sobre educação brasileira. Neste esforço, percebe-se que se está resgatando uma forte representação do itinerário escolar de professores
e intelectuais, que se repete na história de vida de vários escritores brasileiros.
Ao se trabalhar o relato consistente do desenrolar da vida escolar dos
personagens, não se tem a ingenuidade de conformismo com uma ilusão retórica, com uma
representação comum da existência, reforçada pela tradição literária, mas a própria condução coerente e necessária, pelo interesse em resgatar uma representação tornada hegemônica da tradição escolar dos intelectuais desse período, que se afirmaram na capital do país e que eram provenientes do Norte e Nordeste, recuperando-se a seleção comum de acontecimentos vistos como mais significativos. Nestes estudos, pode-se observar que naquela época estava em processo a construção de uma nova mentalidade, de um modo de pensar a educação por parte dos professores, e a lenta assimilação desta ideologia pelas famílias, pela sociedade como um todo e principalmente pelos alunos, a partir da influência dos novos professores formados
pelas Escolas Normais.
O embasamento teórico-metodológico está ancorado na área da História Cultural,
buscando-se fundamentação também nos estudos literários e da história da educação. Ao
final, é possível verificar que nas fontes estudadas foi possível evidenciar o cotidiano escolar,
as práticas pedagógicas com seu ideário subjacente, que se constituem em interessantes e
pertinentes referências para a pesquisa na área, e podem contribuir para a consideração de
novos olhares e enfoques na história da educação no Brasil.
A pesquisa em história da educação tem se mostrado sintonizada com o
movimento de renovação dos estudos históricos que apresentam na perspectiva da nova
história cultural, a possibilidade de redefinição para a compreensão do objeto educacional
nesta perspectiva, através de novos olhares e enfoques como afirma Carvalho (1998). O
estudo dos agentes, formas e culturas escolares no aspecto histórico, pode ser conduzido nesta
ótica, através das representações de escola, de professor, de aluno, contidas em fontes
diversas. No caso presente, se busca na literatura, e mais especificamente na literatura infantil
e juvenil, estas representações que, durante décadas, estiveram presentes no imaginário social,
através da leitura de Cazuza.
Ao fazer uma análise da relação da história cultural com outros campos do saber,
Roger Chartier (1990) assim esclarece a sua percepção sobre a mesma: “a história cultural,
tal como a entendemos, tem por principal objetivo identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler.” (p.
17). Assim, para se trabalhar a história neste enfoque, é possível trilhar vários caminhos. Um
deles seria o que se utiliza das classificações e delimitações que de alguma forma dão uma
certa organização à apreensão do mundo social como categorias de percepção e de apreciação
do real por via da representação do grupo. Teria como variáveis as classes sociais ou os meios
intelectuais que seriam produzidos por modos estáveis e partilhados do grupo a que se refere.
Considera este autor, que as representações sociais construídas deste modo são
sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as enunciam, ainda que tenham
pretensão de universalidade. Pelo fato de que estas percepções do social não são neutras,
tendem a ser vistas como meio de concorrências e competições entre grupos que pretendem
justificar as suas posições como sendo as mais viáveis, confiáveis ou criteriosas em relação a
outras.
As posições dogmáticas em relação a uma aparente separação e inconciliação
entre a objetividade das estruturas e a subjetividade das representações, considerando a
primeira como a reconstrução do real através de documentos seriados, quantificáveis e a
Segunda, que diz respeito a outro tipo de história das “ilusões do discurso”, mas distantes do
real, perpassaram por bastante tempo a história e outras ciências sociais, como a sociologia, a
etnologia, etc... A posição entre as abordagens estruturalistas privilegiando o foco das
posições e relações de classes e grupos, e as análises fenomenológicas que enfatizam o estudo
de comportamentos e valores de comunidades menores, e via de regra mais homogêneas,
estão sendo superadas, e o próprio Chartier (op. cit. p. 18-21) insiste que faz-se necessária a
ultrapassagem desta polarização, principalmente através da consideração de esquemas
geradores de classificações e percepções específicas de cada grupo ou meio, como
“verdadeiras instituições sociais, incorporando sob a forma de categorias mentais e de
representações coletivas as demarcações da própria organização social.” (p. 18).
Observa que é possível utilizar a noção de representação coletiva, no sentido que
permite conciliar o que Lucien Febvre denomina de “os materiais de idéias”, ou imagens
mentais claras como os esquemas interiorizados, as categorias que estão incorporadas e que
ao mesmo tempo são suas produtoras e geradoras. Continua informando que esta noção de
representação coletiva remete necessariamente à modelação de esquemas e categorias, não
para processos psicológicos, sejam eles singulares ou compartilhados, mas para as próprias
divisões do mundo social.
Jacques Le Goff afirmava a necessidade de que os estudos históricos se
interessassem pelo homem cotidiano e apontava como indicativo desta tendência o crescente
interesse pelo nível dos costumes. Sua orientação indica: “a necessidade de desenvolver os
métodos de uma história a partir de textos até então desprezados textos literários ou de
arquivos que atestem humildes realidades cotidianas os ‘etnotextos’.” (Le Goff, 1993:46).
Tem-se consciência de que estas fontes possuem limitações, mas elas contêm informações que
nem sempre se encontram nas fontes já consagradas pelos estudos acadêmicos. A afirmação
de Cecília Souza é esclarecedora:
“Para compreender o que a escola realizou... é preciso também apanhar a
maneira com que professores e alunos reconstruíram sua experiência... Em que
pese todas as críticas a seu subjetivismo, e sem isentá-los de outras, esses
documentos... muitas vezes são as únicas testemunhas de práticas e idéias pouco
notadas.” (1998: 310-311).
Cazuza é um destes textos, que aparentemente despretencioso, apresenta
entretanto, um manancial rico de informações sobre o cotidiano onde se desenrola o itinerário
escolar do autor. Foi escrito entre dezembro de 1936 e junho de 1937, segundo informação do
próprio autor. Relata entretanto acontecimentos que, pelo cruzamento com os seus dados
biográficos, devem ter ocorrido entre a última década do século XIX e o início do século XX.
A análise de obras literárias como fonte de história da educação já vem sendo
feito. As vidas de professores como elementos fundamentais para o estudo da sua formação,
têm sido enfocados por diversos autores em vários países, como se pode constatar nas obras
coletivas organizadas por Nóvoa (1988), (1991) e (1992). Tem-se percebido a necessidade de
organização e diversificação de fontes em pesquisas de História da Educação, como indicado
por Nunes (1992), e por Nunes e Carvalho (1993). Faz-se necessária a consideração de um
mesmo objeto de estudo sob a ótica de olhares diversos como observa Lopes (1986). As
fontes literárias assumem assim interesse e importância neste contexto, porque “como uma
destas fontes, a literatura torna-se um fértil campo de pesquisa para a ampliação da
compreensão crítico-social da historiografia educacional.” (SOUSA, 1999:181). Em estudos
anteriores, já se defendia a consideração de fontes memorialísticas de professores e alunos na
história da educação. (FERRO: 1997 e 1998).
Ao apresentar a obra Cazuza, o autor se utiliza de “mise-en-scène” que se criou
em torno do romance na Europa do século XIII, com o objetivo de criar um efeito de verdade
sobre o texto literário, como aponta Goulemot (1991), e que tem sido uma prática recorrente.
Apresenta-se a narrativa de textos supostamente encontrados acidentalmente em sótãos ou
velhos baús como cartas antigas, diários, velhos manuscritos, etc..., textos que são publicados
como se o autor não tivesse a intenção de escrever um romance, e que são apresentados como
se fossem “discurso expontâneo, como ato sob forma de discurso, produzido por um não
escritor, não destinado à publicação...” (p. 393).
Este romance, contém um relato da trajetória escolar de um menino, apresentando
três momentos distintos e subsequentes. O primeiro é o início da escolarização na pequena
escola da roça, dominada pela figura do velho professor autoritário, repressor e distante. O
segundo momento mostra a experiência da escola da vila onde a ênfase é dada às professoras
com formação para o magistério e um tratamento terno e amigo com os alunos. No terceiro
momento, a realidade do Colégio da capital com diversidade de professores e o
distanciamento do convívio familiar é a tônica. Nas três partes, vários aspectos são enfocados,
observando-se uma grande ênfase na realidade social de então, no cotidiano escolar, nas
relações escola-familia, nos valores a nortear a formação da juventude, na disciplina escolar e
métodos usados de controle do comportamento dos alunos.
A primeira escola, a do povoado, era um casebre de palha com biqueiras de telhas,
com a fachada pintada de cal. O seu interior resumia-se a um grande salão, de chão batido e
sem tijolos com casas de marimbondos no teto. O mobiliário era constituído pela mesa grande
do professor, um quadro negro suspenso por um cavalete de madeira, as mesas estreitas dos
alunos e os bancos em que se assentavam. Segundo o narrador, a sua decepção começara logo
que entrou. O ambiente que ele conhecera num dia de festa, enfeitado de bandeirinhas, flores
e ramos, apresentava-se como era, na realidade simples do cotidiano, com as paredes nuas cor
de barro e sem os adornos que lhe davam o ar festivo. Cazuza fica surpreso, meio “zonzo”,
duvidando se aquele era o lugar para onde tanto desejava ir, e sente-se assim:
“os meus olhinhos inquietos percorriam os cantos da sala, `a procura de
qualquer coisa que me consolasse. Nada. As paredes sem caiação, a mobília
polida de preto – tudo grave, sombrio e feio, como se a intenção ali fosse
entristecer a gente” (Cazuza, p. 28).
Na vila, o seu encantamento maior foi com a escola. No seu primeiro dia, ao
entrar naquele velho casarão, de salas amplas, construído há mais de cinquenta anos, “levado
pela mão de meu pai, senti no peito o coração bater jubilosamente.”(p. 75). A sua recepção
for lembrada positivamente. A diretora, “recebeu-me com o carinho com que se recebe um
filho”. (p. 75). Até os colegas – meninos e meninas – que presenciaram sua chegada, tiveram
uma postura amistosa: “olharam-me risonhamente, como se já tivessem brincado comigo”.
(idem).
Para o garoto, tudo era novidade agradável, e a comparação é feita
espontaneamente. A escolinha do povoado seria diferente da escola da vila como a noite do
dia. O menino, oriundo do rigor punitivo da primeira, com alunos tristes e professor
carrancudo, sentiu sua alma intensamente consolada.
Na terceira fase escolar, para o garoto do interior, o colégio da capital assumia
enormes proporções: “Era um casarão imenso, de escadaria afidalgada, com muitas janelas,
muitas salas e muitos quartos.” (p. 141). De fato, para os padrões da época era uma escola
grande, até porque atendia a alunos em regime de internato e externato. “O Timbira talvez
fosse o maior colégio da cidade. Cerca de cinquenta alunos internos e mais de duzentos
externos.” (p. 141), e oferecia o ensino primário e secundário. A acolhida no novo colégio foi
feita pelo próprio diretor que segundo o garoto, o recebeu “paternalmente”. O relato deste
momento chama a atenção para alguns aspectos. Primeiro a observação de que o diretor tivera
um comportamento paternal, o que sugere a idéia de que era este o comportamento desejável
para esta função social. Há uma mescla na relação família-escola no que se refere a
comportamentos esperados de agentes sociais destes dois grupos pai √ professor, mãe √
professora. Também a idéia contida na frase do diretor, de que a ida à escola significava a
aspiração de ser um “grande homem”. Como se a idéia de grande homem estivesse
intrinsecamente relacionada à aquisição de um certo nível de instrução e escolaridade.
Um terceiro aspecto é o impacto causado na sensibilidade de jovens e
adolescentes pela ruptura com a vida familiar e o ingresso no novo universo de internato
escolar. Muitas experiências deste tipo já foram relatadas em obras memorialistas. Vale a
pena mencionar que o Sérgio de O Ateneu fala de “ruptura com o aconchego placentário da
dieta caseira.” (p. 06).
O professor da escola da roça é apresentado como um homem já velho, de figura
austera com um visual de óculos escuros em contraste com o bigode branco, formando uma
combinação que o fazia parecer aos olhos das crianças como um figura sisuda, atemorizante,
sempre com um pigarro de asmático, o que contribuía para os alunos terem dele uma
impressão assustadora:
“Nunca lhe vi um sorisso no rosto. Vivia sempre zangado, com o ar de quem
está a ralhar com o mundo, cara amarrada, rugas na testa
Para as criancinhas do meu tamanho, representava o papel do lobisomem.
Tinhamos-lhe um medo louco.” (p. 19).
Um aspecto repetidamente focalizado é a questão do controle de comportamento
exercido de modo autoritário, arbitrário e utilizando castigos corporais, que também é referido
por Machado de Assis (1977), José Lins do Rego (1980), Érico Veríssimo (1994) e o já citado
Raul Pompéia. Nestas obras também se registram figuras de professores cujo estereótipo
lembram o João Ricardo, de Cazuza
Na vila, a professora era vista como muito simpática e cativante, viera da capital,
onde estudara e “aprendera a ensinar crianças” (p. 76). Há sugestão de que a professora
tivera formação específica para o magistério, o que naquela época era feita pelos cursos
normais. A impressão deixada no novo aluno foi muito positiva. Assim é feita a descrição:
“Havia nas suas maneiras suaves um quê de tanta ternura que nós, às vezzes a
julgávamos nossa mãe.
A sua voz era doce, dessas vozes que nunca se alteram e que mais doces se
tornam quando fazem alguma censura.” (Cazuza, p. 76)
Ao longo da narrativa de Cazuza, é facilmente perceptível a preocupação em
propagar alguma idéias, valores e ideais, no sentido de que seria necessária a sua assimilação
para uma boa formação de crianças e jovens. Esta orientação de inculcação do que era
recomendado pelos bons costumes e moral da época através da leitura já foi referida por
Bittencourt (1993). A formação de um modo de pensar, sentir e agir na nascente nação
republicana, a construção deste imaginário social, ou como fala José Murilo de Carvalho
(1990), esta “formação das almas”, fazia-se necessária. Viriato Corrêa assume esta postura, e
aqui se destaca e registra alguns destes posicionamentos que ele certamente contribuiu para
disseminar entre crianças e jovens brasileiros em sua produção literária.
A ideologia do valor do trabalho, que constrói a nação e torna os trabalhadores
iguais independente do prestígio e da posição que ocupa a sua atividade laboral. A
necessidade da escolarização e da consequente aplicação dos estudos para a sociedade
moderna, a importância da disseminação de idéias higienistas, a construção de uma sociedade
frterna, com superação de discriminação de raça, etnia, com convivência harmoniosa de
diferenças sociais e políticas, bem como o desenvolvimento de um sentimento de ufanismo
nacional e amor à Pátria, são valores insistentemente apresentados na obra, e mostram a
ideologia veiculada na formação do imaginário da república que estava ainda em processo de
consolidação.
O autor sugere a idéia de que aquela escola era um espaço social e racialmente
democrático onde o acesso e a convivência sem discriminação de raça e origem social e
financeira. Conviviam no mesmo ambiente escolar o filho do juiz de direito da cidade, um
dos homens mais importantes da vila e a filha da sua cozinheira, mãe solteira, negra “pretinha
como um tição”, e a mais inteligente e peralta da turma. Outro aluno filho do homem mais
rico da vila, também estudava com um dos mais pobres, filho de uma doçeira, que nas horas
de folga vivia vendendo pelas ruas os doces que a mãe fabricava, e que era um verdadeiro
líder entre os colegas. São informações interessantes sobre o modo de ser e agir daquela
comunidade interiorana, que leva à reflexão.
Um incidente de tratamento injusto aplicado por um aluno, filho do prefeito a um
colega pobre filho do carreiro, empregado do prefeito, mostra a intervenção da diretora numa
correção justa e isenta. Depois a professora conta à turma uma estória ressaltando o valor de
dois calçados: ”o sapato ferrado e a sandália de veludo”, e o final igual dos dois, numa
analogia ao valor das pessoas, independente da sua situação financeira. Fica na leitura a
indagação: havia realmente democracia? Ou era utopia, influenciada pelos ideais do narrador?
A idéia de valorização da Pátria é bem presente, e insistentemente posta à
reflexão. Em vários momentos é posta sobre ângulos diversos. A defesa diante dos conflitos
com outras nações, como o caso da Guerra do Paraguai, enaltecendo a figura do velho excombatente
voluntário (p. 114-122), mostrando que a defesa da Pátria deve ser feita até o
sacrifício da própria vida, no combate renhido, sem, entretanto, deixar de lado o sentimento
de humanidade, na compreensão do valor humano do adversário. Ao enfatizar o zelo pela
Pátria observa a necessidade de não desenvolver apenas o ufanismo vazio que se restringia ao
aspecto material, na exaltação dos elementos físicos do território brasileiro, como suas
grandezas, potencialidades e belezas, mas chama a atenção para o aspecto humanista da
consideração do valor do homem brasileiro, do seu trabalho e esforço na construção do país, a
formação do povo, sua cultura, os movimentos libertários, etc... (p. 152 a 157). Mostra que o
Brasil não é apenas a grandiosidade do seu território e as belezas naturais, mas enfoca as
carências, as diferenças regionais, a pobreza do povo, numa época em que só se exaltava o
que o país tem de positivo. (p. 171-174). Percebe-se o esforço no sentido de não apenas
desenvolver um orgulho estéril de ser brasileiro, mas a preocupação em firmar a idéia de que
cada um é responsável por participar como cidadão da construção da sua Pátria, como
indivíduo e ser social, numa atitude de cidadania consciente e atuante. “O verdadeiro
patriotismo é aquele que reconhece as coisas ruins do seu país e trabalha para melhorá-las.”
(p. 173).
Finalmente, é possível afirmar que obras como o romance Cazuza, têm o mérito
de tornar visível para a História da Educação, informações sobre homens e mulheres – e suas
vidas em sociedade – já tornadas quase imperceptíveis. Ainda que sobre elas pesem todas as
críticas a seu subjetivismo, idealização e anacronismo, estas obras didáticas ou paradidáticas
muitas vezes são testemunhas de idéias e práticas que já estão quase desapercebidas, por
serem a tal ponto corriqueiras, que passam a ser desvalorizadas, e por vezes desprezadas. Por
estes aspectos, reafirma-se a importância, validade e pertinência de obras literárias no resgate
destes indícios de representações sociais e consequentemente na construção da história da
educação brasileira.
BIBLIOGRAFIA
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VERÍSSIMO, Érico. Solo de Clarineta – Memórias. São Paulo: Ed. Globo, 1994. Vol. I.

Quando o aluno se apaixona pelo professor
Eliana Camejo Comunicação Empresarial


Gostar do professor ou professora da escola é normal entre os adolescentes
e pré-adolescentes? Será que essa 'paixonite' pode acarretar problemas
para a vida escolar e pessoal do jovem?

O processo educativo pressupõe basicamente a relação professor - aluno,
pois é ela que dinamiza e dá sentido a este processo tornando-se o centro deste.
Esta relação pode se mostrar por vezes conflituosa, pois se baseia no convívio
de classes sociais, culturas, valores e objetivos diferentes.

Dada a intensidade desta relação alguns estudantes podem, por vezes, confundir
os sentimentos que se estabelecem. A paixão despertada pelos docentes
em pré - adolescentes e adolescentes é mais comum do que se pensa.

Segundo a orientadora educacional Sumaia Curço, do Colégio Farroupilha
em Porto Alegre (RS), para muitos alunos o professor representa uma figura
praticamente mítica, uma pessoa perfeita, ideal. Esse sentimento é normalmente
despertado pela beleza, charme, inteligência, cultura e situação de poder na qual
o professor se encontra. “É próprio desta fase da vida do aluno os sentimentos
muito intensos e eles acabam por transformar seus professores em príncipes
e princesas. Se trata de uma paixão idealizada ou amor platônico. Em muitos casos,
os adolescentes passam anos esperando pela realização desta paixão idealizada.
É uma fase de amadurecimento afetivo”, afirma a especialista.

Dependendo da intensidade, essa paixão pode estimular o aluno a se dedicar
mais a determinada disciplina ou ao contrário pode acarretar problemas
de concentração nas aulas. A fantasia que envolve esta relação e a dificuldade
de conversar sobre o assunto com outras pessoas aumenta a angustia do jovem.

A paixão por algum professor não representa riscos à vida dos alunos e dificilmente
poderá trazer conseqüências mais graves no futuro, destaca Sumaia Curço.
No entanto os pais devem estar sempre atentos ao comportamento dos filhos
e nestes casos o diálogo entre pais e filhos é imprescindível.


Psicologia: Ele se apaixonou por você. E agora?
Paixão de aluno pelo professor passa rápido,
mas tem de ser tratada com respeito e sensibilidade

Paola Gentile

Poucos escapam. Um belo dia entram na classe e vêem, em cima da mesa, um presentinho mais valioso que a costumeira maçã. Ou então, no meio da aula, notam o olhar cada vez mais comprido de um aluno. Algumas vezes acontece no fim do dia. O abraço de despedida da mais tímida da classe fica estranhamente apertado e demorado. Esse curioso comportamento tem um nome: paixão pelo professor.
Nas cabecinhas infantis, ela pode nascer de uma confusão de papéis, em que a professora e a mãe (ou o professor e o pai) se misturam. Para as crianças maiores, a admiração pelo mestre – que sempre é um modelo a ser seguido – pode mudar de forma e fazer bater mais forte aquele coração de estudante. Já os adolescentes e jovens adultos costumam deixar mais picante o carinho que dedicam aos professores ao temperá-lo com pitadas de sensualidade.
Histórias de amor entre alunos e professores costumam evaporar-se no ar sem deixar marcas. Mas, algumas vezes, podem ser intensas como uma paixão de novela. É quando se deve tomar cuidado: afetos exagerados trazem infelicidade para os alunos e geram constrangimentos para os professores. Veja nesta reportagem o que os especialistas recomendam para lidar com tais situações.

O primeiro amor

A professora Ana Cristina Croce Marra, da 1a série do Colégio São Luiz, em São Paulo, guarda em um caderno todos os bilhetes que recebeu em dezoito anos de magistério. Entre eles, destacam-se os que foram escritos no ano passado por Higor Caldas Marques, então com 7 anos. Higor era extremamente carinhoso. “Tudo era motivo para ele me elogiar, trazer presentes, mandar recados e me dar um beijo”, recorda-se Ana Cristina. Mesmo lisonjeada, ela controlou-se o ano inteiro para não dar mais atenção ao garoto do que aos outros colegas. “Tinha medo de dar preferência a ele e, com isso, acho que acabei exagerando e impedindo um pouco sua participação em sala de aula.” Reações como a de Ana Cristina não são incomuns. Muitos professores ficam em dúvida sobre a melhor maneira de agir (veja nesta página algumas dicas de especialistas de como enfrentar casos como esse).
Paixões infantis, como a de Higor, são bem conhecidas dos psicólogos. “Entre 3 e 5 anos de idade, a criança encontra-se na fase do conflito edipiano, época em que sente atração pelo progenitor do sexo oposto e passa a competir com o progenitor do mesmo sexo”, explica a psicóloga Lúcia Fuks. “Esses sentimentos podem acabar transferidos para o professor”, explica. A fantasia é tão intensa que muitas crianças chegam a chamar a professora de mãe. “Quando isso acontece, é melhor alertar o aluno que ele se confundiu, diferenciando os papéis de mãe e professora, em tom de brincadeira e com carinho”, aconselha a psicóloga educacional e consultora de escolas Simone Brites.
Para ajudar os alunos a canalizar esses sentimentos de uma forma menos conflituosa, o Colégio São Luiz tem um quadro onde os alunos fixam mensagens para seus professores. “Por ser exposto, todos expressam sua admiração de forma aberta”, afirma Cecília Colella, coordenadora pedagógica.

Cuidado com a vaidade
Se a relação professor-aluno tornar-se muito permissiva, o estudante pode interpretar como sedução. O professor fica envaidecido com o afeto e a paixão que o aluno lhe dedica, quer agradá-lo e não dá broncas na hora certa para não perder a admiração. “O bom educador tem de impor os limites e não deve ser íntimo dos alunos, pois nessa relação vale muito mais o vínculo afetivo com a classe, com elogios referentes ao desempenho do aluno em trabalhos didáticos e em sala de aula”, aconselha Tereza Rego, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. A seguir, algumas dicas úteis:

• Dar atenção igual a todos os alunos, sem mostrar predileção por nenhum;

• Receber com naturalidade todas as manifestações de carinho;

• Caso o aluno começar a chamar o professor de “mãe” ou “pai”, alertá-lo que ele se confundiu;

• Atender às necessidades da criança sem tentar substituir a mãe;

• Prestar atenção nas mudanças de rendimento do aluno, seja para menos ou para mais;

• Evitar elogios pessoais, priorizando o desempenho;

• Não prolongar manifestações de carinho físico;

• Não alimentar ilusões, seja por palavras, seja por olhares, seja por gestos;

• Evitar encontros fora da escola;

• Quando a paixão surgir, levar o caso à psicóloga da escola ou à orientadora pedagógica;

• Ter em mente que a amizade professor-aluno nunca vai ser simétrica, ou seja, no mesmo nível.


A paixão impossível

A partir de 6 ou 7 anos até 12 ou 13, no período chamado de pré-adolescência, as crianças buscam outros modelos de identificação. É quando os professores jovens, sociáveis e com idéias diferentes chamam atenção.
Nádia Ramirez Starikoff, que há cinco anos leciona Ciências para o Ensino Fundamental, não sabia se Rodolfo*, 12 anos, queria aparecer para os colegas ou realmente tinha algum sentimento mais forte em relação a ela. O fato é que, durante a aula, o garoto levantava a mão e a convidava para sair, provocando risadas. Em particular, procurava-a na hora do recreio com o pretexto de esclarecer pontos da matéria. Depois de uma ou duas dúvidas, perguntva sobre sua vida pessoal, querendo saber o que ela fazia além de dar aulas, se era casada etc.
“Sempre respondi descontraidamente para não dar trela e evitar constrangimento”, afirma Nádia. Essa situação durou um ano, até que ela saiu do colégio e nunca mais viu o aluno. Os psicanalistas chamam esse período de latência, quando já existe uma certa atração (impossível de ser concretizada) que faz com que os meninos prestem atenção no corpo das professoras, já mostrando interesse sexual.
Mas as manifestações podem ser menos explícitas, como aconteceu com Juliana*, da 6a série do Colégio Madre Alix. Seu rendimento caiu, ela não fazia mais lição, estava avoada e sem interesse, o que foi percebido por todos os professores. Coube à orientadora pedagógica da escola descobrir o que estava acontecendo durante um encontro em sala de aula – esse bate-papo entre eles acontece com freqüência: as amigas acabaram contando que Juliana estava apaixonada pelo professor de Biologia, Edson Grandisoli.

“Para mim foi uma surpresa, pois nunca dei atenção especial a nenhuma aluna”, afirma Edson. Bastaram algumas dessas conversas em grupo, com a orientadora alertando sobre a diferença de idade e os problemas que esse sentimento poderia trazer, para o quadro mudar.
“Os tímidos não têm coragem de se expor, perdem muito tempo pensando nos professores e desviam a atenção do dia-a-dia”, explica Márcia de Fátima de Oliveira, psicóloga de crianças e adolescentes da Clínica do Amor e da Timidez.
Nesses casos, o professor deve redobrar a atenção para tudo o que não for normal no comportamento do aluno. Acontece também o contrário, quando eles querem agradar pelo lado intelectual, tornando-se bem-comportados e dedicados ao estudo. Nessa fase, todas as palavras e atitudes, seja com os tímidos, seja com os extrovertidos, devem ser bem medidas, para não alimentar ilusões e não dar margem ao aluno para achar que sua paixão está sendo correspondida. Márcia de Oliveira alerta que a orientação dos psicólogos da escola ou do coordenador pedagógico pode trazer bons resultados, sem provocar constrangimentos para nenhuma das partes.
Caso o professor queira conversar ele próprio com a aluna, deve evitar encontros fora da escola. “Um convite para sair pode ser interpretado como uma resposta positiva à paixão”, afirma a psicóloga Simone Brites. Durante a conversa, ele deve usar o bom senso para não magoar, mas precisa ser objetivo e firme, ressaltando a diferença de idade e até contando que já tem um outro relacionamento, se for o caso.
Diva Felipe Pedro, orientadora da Escola Caravelas, pede a seu corpo docente que tome cuidado com a aproximação física da criança, que é espontânea: “Nessa fase eles têm necessidade de tocar, abraçar, sentar no colo. O professor deve receber essas manifestações, mas não pode prolongar os atos para não confundir nem despertar atração física”, afirma. Ela ainda pede que a atenção maior aos alunos seja dada em sala de aula, mostrando entusiasmo e elogiando os avanços cognitivos. Segundo Ana Rita Silva Almeida, em seu livro A Emoção na Sala de Aula, as necessidades afetivas evoluem e as crianças tornam-se mais exigentes: “Passar afeto inclui não apenas beijar, abraçar, mas também conhecer, ouvir, conversar, admirar”.
* Os nomes dos alunos foram mudados.

O despertar do sexo

Se os alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental vêem seus professores como objetos de um amor platônico e etéreo, para os estudantes do Ensino Médio eles podem se transformar em desejáveis seres de carne e osso. Recentemente o Colégio Bandeirantes, de São Paulo, teve de lidar com dois desses casos de paixão. Carolina*, de 15 anos, procurava o professor de Matemática onde ele estivesse, mesmo em outras salas de aula, e dava beijos e abraços apertados na frente de todos. Mariana*, de 16 anos, estava perdidamente apaixonada pelo professor de Biologia. Nunca se abriu com ele, mas suas amigas compartilhavam seu sofrimento. Um dia deixou a timidez de lado e, em uma carta, jurou que ele “era tudo para ela” e, para namorá-lo, estava disposta a enfrentar o que fosse preciso.
Perplexos, os dois professores procuraram a orientadora pedagógica da escola, Mariângela de Azevedo Antunes. No primeiro caso, bastou uma conversa com a estudante, dizendo que a atitude dela estava incomodando o professor. “Ela alegou ser tudo brincadeira e nunca mais o procurou.”
A outra aluna resistiu mais tempo. Por um mês ela evitou Mariângela, que precisou usar as amigas da aluna para conseguir marcar uma conversa com Mariana. Finalmente, depois de uma reunião que lembrou uma sessão de terapia, conseguiu convencer a garota de que ela se apaixonara por um mito, um ideal que não existia.

“As conversas têm de ser respeitosas e os adolescentes, levados a sério, pois para eles seus sentimentos são reais e fortes”, adverte Mariângela.

A adolescência é marcada por mudanças corporais profundas, o que provoca uma grande confusão na cabeça dos jovens. “Há uma reciclagem da primeira infância”, explica Nicole Rebecca Levy Plapler, psicanalista e terapeuta de família. “E eles precisam se diferenciar dos pais para crescer.” Uma forma típica de promover tal reciclagem é idolatrar pessoas que tenham valores diferentes dos que receberam em casa. Ao mesmo tempo, eles não são críticos o suficiente para negar tudo o que aprenderam com a família. É muito comum um professor carismático ser o ídolo da turma e o queridinho das meninas. Alguns, percebendo essa força, tentam ocupar o lugar de conselheiro e ser amigos, o que pode confundir ainda mais esse quase adulto.
Um amor platônico pode também ser uma medida preventiva contra os “perigos” da maioridade. A psicóloga Simone Brites diz que é comum nessa fase o adolescente ter medo de encarar relações maduras: “O círculo de amizades exige que ele tenha um namoro, apesar de os pais esperarem que ele retarde essa experiência. Uma paixão impossível, nesse caso, livra-o de assumir um relacionamento frente aos colegas e aos pais.”

Nova Escola – Dezembro 1999


Veja qual é o limite da relação entre professor e aluno
Intimidade com o professor pode não ensinar nada, além de magoar
Publicado em 17/10/2007


Ao ingressar na universidade, alunos vindos do ensino médio logo percebem que as relações com seus novos professores será drasticamente diferente daquela vivida na escola. Entre sisudos e descolados, mais jovens ou mais velhos, espirituosos ou carrancudos, cada professor tem seu jeito de ensinar e interagir com seus alunos. Além disso, essa abordagem é afetada pelo próprio ambiente universitário, mais independente e onde os mestres não se preocuparão em tutelar seus pupilos da mesma forma que acontece no ensino médio. Nesse sentido, os professores podem parecer mais liberais e acessíveis ou mesmo dispostos a conversar sobre assuntos comuns com seus alunos e até acompanhá-los em ambientes sociais fora da classe. Nesse momento é que há uma dúvida: Até que ponto pode ir essa relação?

De acordo com duas especialistas nessa matéria, existe um certo limite na relação pessoal entre professores e alunos para não colocar em risco o objetivo primário dessa relação: o aprendizado. Claro que um ambiente mais descontraído, com um líder que sabe ouvir, ceder espaços e identificar dificuldades, tende a ser um lugar mais agradável para o estudo. Quando esse estágio é alcançado, há uma relação considerada por muitos como ideal e que contribui para todos: alunos e professores. Será que seu relacionamento com o professor e o dele com você é o ideal?

A professora de Psicologia da Unip (Universidade Paulista), Elizete Lupo, fala sobre a importância da ética na vida do professor. "Ter uma relação amigável é muito bom, ter uma relação de amigos não", adverte ela. Elizete é taxativa ao falar sobre a ética necessária para equilibrar essa relação. "Quem não entende as diferenças disso e se envolve com alunos, seja por uma amizade, uma paixão, ou qualquer outro motivo, falta com a ética", dispara ela.

Segundo Elizete, por causa dessa maior proximidade, alguns alunos podem criar uma paixão por professores. Muitas histórias assim acabam por temperar as conversas de corredor. Há que já tenha até sido protagonista de um sonho de amor com aquele ou aquela que te ensina, mostra experiência, serenidade e compreensão. Nesse caso, Elizete é enfática e não concorda com a permanência do suposto apaixonado ou apaixonada na mesma sala de aula que o amado. "Enquanto um for aluno e o outro professor, jamais o profissional pode se deixar levar por isso. A direção da escola ou faculdade tem que ser avisada e os dois devem ser separados de sala", aconselha.

Para a pedagoga graduada pela Universidade Santa Úrsula, do Rio de Janeiro, Sílvia Amaral de Mello Pinto, o limite ideal é um convívio praticamente profissional. "Quando você tem pontos em comum, a relação fica mais íntima. E nisso o professor pode tirar proveito para fazer o aluno se interessar mais no assunto, e não nele. Ouvir, conversar, dar risadas é uma coisa, levar um aluno para sua casa é completamente diferente", alerta ela.

Sílvia fala ainda sobre amizade e como ela pode influenciar o comportamento das pessoas e destruir os processos de avaliação. "Não quero ver quem gosto passar por uma dificuldade. Vou ajudar a sair dessa dificuldade. Alguém gostaria de ver um amigo reprovado, ter notas ruins e não poder fazer nada para ajudá-lo? É claro que não, e por isso não se pode misturar essas funções", declara Sílvia. Para ela, a relação entre aluno e professor deve ter uma dose sutil de intimidade. "O professor deve sim ser cortês, acessível e ter um olhar afetivo para com o aluno. Isso não quer dizer que necessariamente uma amizade seja necessária, pois isso é algo muito mais profundo", recomenda.

Para Sílvia, ser amigo de um aluno é correr o risco de perder algo primordial para um professor: a autoridade. "Nesse caso, o ambiente fica prejudicado. Um bom professor é democrático, motivador, mas não deixa de ser um líder. Se essa liderança for abalada por amizade, é sinal de que o limite foi ultrapassado", alerta. Já Elizete acrescenta. "Ser sociável, agradável e atencioso é muito bom, mas também é preciso ser cuidadoso, pois essas características podem parecer sedutoras para os alunos, que perdem o respeito pela imagem do professor", adverte ela.

Como não ser

Se por um lado a cordialidade pode gerar relações tortuosas, Sílvia diz que o contrário também não é a solução. Ou seja, ser um professor carrasco não ajuda em nada e pode criar problemas sem solução para o aluno. Ela trabalha numa clínica que atende casos como esse, de alunos que tem mau desempenho escolar por problemas supostamente psicológicos. "Muitas vezes o estudante nos diz que tem dificuldade e não consegue se expressar quanto a isso pela falta de espaço e de diálogo com professores". Ela diz que profissionais que agem dessa maneira podem criar até deficiências irreparáveis na saúde e no aprendizado dos alunos.

Elizete concorda e dá a receita. "Não se pode pensar como há alguns anos, que o professor é um chefe, que te diz as regras, você obedece, acata e não discute com medo de alguma repressão. É preciso ouvir e identificar dificuldades dos alunos e para isso não é preciso se apaixonar e nem seduzir, basta ser profissional, ou seja, explicar, fazer-se entender, tirar dúvidas e dar auxílio", finaliza.

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