quarta-feira, 17 de março de 2010

Rizoma

Rizoma é um modelo descritivo ou epistemológico proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Neste modelo epistemológico, a organização dos elementos não segue linhas de subordinação hierárquica - com uma base ou raiz dando origem a múltiplos ramos -, mas, pelo contrário, qualquer elemento pode afectar ou incidir em qualquer outro.

Num modelo arbóreo de organização do conhecimento - como as taxionomias e classificações das ciências - o que é afirmado dos elementos de maior nível é necessariamente verdadeiro também para os elementos subordinados, mas o contrário não é válido; já num modelo rizomático, qualquer afirmação que incida sobre algum elemento poderá também incidir sobre outros elementos da estrutura, sem importar a sua posição recíproca.
O rizoma carece, portanto, de centro, característica que o torna particularmente interessante na filosofia da ciência e política, e também para a semiótica e as teorias da comunicação contemporâneas

A noção de rizoma foi adoptada da estrutura de algumas plantas que se ramificam em qualquer ponto, assim como se engrossam e se transformam num bolbo ou tubérculo; o rizoma da botânica, que tanto pode funcionar como raiz, talo ou ramo, independente de sua localização na figura da planta, serve para exemplificar um sistema epistemológico onde não há raízes - ou seja, proposições ou afirmações mais fundamentais do que outras - que ramifiquem-se segundo dicotomias estritas.

Deleuze e Guattari sustentam que, na tradição anglo-saxã da filosofia da ciência, que se costumou chamar de antifundacionalismo (ou antifundamentalismo, ou, ainda, antifundacionismo), a estrutura do conhecimento não deriva, por meios lógicos, de um conjunto de princípios primeiros, mas sim elabora-se simultaneamente a partir de todos os pontos sob a influência de diferentes observações e conceitualizações.

Isto não implica que uma estrutura rizomática seja necessariamente flexível ou instável, porém exige que qualquer modelo de ordem possa ser modificado: existem, no rizoma, linhas de solidez e organização fixadas por grupos ou conjuntos de conceitos afins. Tais conjuntos definem territórios relativamente estáveis dentro do rizoma.

O modelo rizomático presta-se a mostrar que a estrutura convencional das disciplinas epistemológicas não reflecte simplesmente a estrutura da natureza, mas sim que é um resultado da distribuição de poder e autoridade no corpo social.
Não se trata da apresentação de um modelo que represente melhor a realidade, mas sim da noção, oriunda do antifundacionalismo, de que os modelos são ferramentas pragmáticas, e não ontológicas.
A organização rizomática do conhecimento é um método para resistir a um modelo hierárquico que reflecte, na epistemologia, uma estrutura social opressiva.


Livros-rizoma versus livros-raíz

Nos livros-raíz, tão valorizados pela utopia moderna da unidade, todos os argumentos são organizados em torno um eixo central e têm como função sustentar uma idéia, partindo de um ponto prefixado e usando um método bem definido. O paradigma do livro-raiz é a monografia acadêmica, em que tudo precisa convergir para um único ponto: sustentar a validade da hipótese inventada pelo autor. Tudo o que extrapola esse limite é sentido como supérfluo, como um excedente a ser cortado, tanto por fugir aos objetivos específicos da obra quanto para evitar os ataques de uma banca eventualmente hostil.
O livro-raiz não compreende a multiplicidade porque ele precisa reduzir o mundo todo ao seu sistema, o sistema-raiz da lógica moderna que não pode pensar o mundo senão como uma grande unidade oculta sob a aparente diversidade das coisas.
O livro-raiz é um livro de guerra, um livro moldado com hierarquias de pensamento, que reivindica para si a verdade (ao menos alguma verdade) e é destinado a travar batalhas heróicas pelas bandeiras que sustenta. Um livro que exclui a diferença porque inadmissível e, a pretexto de representar a natureza em um sistema, termina por inventar um simulacro de mundo, feito de abstrações coerentes que excluem de si as tensões e o pulsar da vida humana.
O livro-raiz é o correspondente literário da perspectiva linear no desenho, que compra a ilusão da unidade plástica da obra pagando o preço de reduzir o homem a um cíclope de pedra, que vê o mundo a partir de um olho único e parado.

Opondo-se a tal padrão radicular, esta obra se organiza na forma de rizoma, como os tubérculos e a grama, que se desenvolve sem um centro fixo, em que cada unidade afirma sua diferença e não se submete à hierarquia das raízes.

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