segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Nu

Definição

As representações do nu acompanham toda a história da arte figurativa, na escultura e na pintura. Praticado já pelos egípcios, o nu alcança posição proeminente no interior da arte grega, desde as primeiras esculturas de pedra, em que os gregos reproduzem figuras de pé, marcando divisões do corpo e o desenho dos músculos, de acordo com os ensinamentos das artes egípcia e assíria. Em seguida, a representação do nu na Grécia trilha caminhos próprios pela ênfase na observação direta dos corpos. A rigidez das representações anteriores dá lugar às tentativas de fornecer imagens convincentes da figura humana. As esculturas de atletas permitem o aperfeiçoamento da representação do corpo humano em movimento, como mostra o Discóbolo, executado pelo escultor ateniense Myron (ativo em ca. 450 a.C.). O atleta nu é flagrado no momento em que está em vias de lançar o disco. O corpo inclinado e torcido, o braço para trás em movimento de arremesso representam com exatidão a pose de lançamento do disco. A maior liberdade de representação dos corpos nus entre os gregos traz consigo a idéia de que o "corpo é o espelho da alma", isto é de que os sentimentos e a vida interior afetam diretamente o corpo em ação. A isso se associa um ideal de beleza, de perfeição, harmonia e graça que os artistas procuram representar pela simetria e proporção das formas (Praxiteles, ativo entre ca. 375-340 a.C., Hermes com o Jovem Dionisio). Nesse sentido, os corpos nus apresentam-se como se fossem reais e, ao mesmo tempo, exemplares aperfeiçoados (Vênus de Milo, séc. I a.C.).

Descartado no período da Idade Média, o nu reaparece na arte renascentista, especialmente na Itália. O bronze Davi (ca.1430) do escultor florentino Donatello (ca.1386 - 1466) é considerado a primeira figura nua em tamanho natural feita desde a Antigüidade clássica. Herdeiro de Donatello, Michelangelo Buonarroti (1475 - 1564) realiza nus, seja em estudos de anatomia para composições maiores (por exemplo Estudo para uma das Sibilas no teto da capela Sistina) seja em esculturas em mármore, como o jovem nu de quatro metros de altura, o Davi (1501-1504), transformado em símbolo da arte florentina do período. O nu é ainda praticado no interior de obras cujo desafio é combinar a precisão do desenho com a harmonia da composição mais ampla, como no Nascimento da Vênus, de Sandro Botticelli (1444/5 - 1510). A imagem da Vênus como símbolo de graça e beleza revelada na forma nua é explorada por outros pintores do período, por exemplo a Vênus Deitada (1509), de Giorgione (1477 - 1510) e a Vênus de Urbino (1538), de Ticiano (ca.1488 - 1576). A figura feminina saindo do banho é simultaneamente grande e avantajada, e dotada de leveza pela luz que incide sobre ela. A representação da figura feminina despida com forte sensualidade encontra adeptos na Alemanha, por exemplo na obra de Lucas Cranach, o velho (1472 - 1553), que realiza várias versões da ninfas reclinadas e diversos nus eróticos, executados com base em modelos tirados da Renascença italiana. A representação do corpo humano baseada em um ideal de beleza da arte clássica é também exercitada por Albrecht Dürer (1471 - 1528), que experimenta regras de proporção e noções de harmonia em estudos com corpos nus, entre os quais a água-forte Adão e Eva (1504).

A realização de nus encontra-se ligada ao aprendizado técnico, desenhos e estudos de anatomia no interior das academias de arte, nos séculos XVI, XVII e XVIII, quando são, em geral, exercitados a partir de modelos vivos e de modelos em gesso. Na arte classicizante do século XIX, se evidencia a forte ligação com o desenho e com o padrão do "belo ideal" clássico, testado preferencialmente na escultura. Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780 - 1867) utiliza o desenho como instrumento fundamental na execução da tela, como em A Banhista de Valpinçon (1808). A integridade do corpo nu da mulher sentada vista de costas, é recuperada pelos contornos marcados, pelas linhas, luz e cor, assim como pela integração das formas da figura com as dobras e movimento dos lençóis, cortina, turbante etc. A forma ideal de Ingres, mostra este quadro e também sua Odalisca (1814) - criticada por ter uma vértebra a mais -, contempla imperfeições anatômicas, na medida em que corresponde ao modo como o artista vê o corpo. A ênfase de Ingres na visão tem impacto na pintura posterior: nos vários nus de Pierre Auguste Renoir (1841 - 1919), nas banhistas de Edgar Degas (1834 - 1917) e nas de Paul Cézanne (1839 - 1906). Olympia (1865) de Éduard Manet (1832 - 1883) está entre os mais célebres nus da arte moderna. Retoma a pose e os adereços das Vênus anteriores e, ao mesmo tempo, rompe com a tradição de nus, pela ausência de modelagem, pela gargantilha preta - que quebra o acabamento contínuo e suave das pinturas de nus -, pela evidência das pinceladas, pelo contraste de cores. A dicção realista de Gustave Courbet (1819 - 1877) rebate no corpo nu de A Fonte (1868) e adquire tom quase pornográfico em A Origem do Mundo (1866), centrado no órgão sexual feminino. Inúmeros artistas realizam nus no interior da arte moderna dos séculos XIX e XX. Lembremos, entre muitos outros, Nu no Ateliê (1898), de Henri Matisse (1869 - 1954), Puberdade (1895), de Edvard Munch (1863 - 1944), A Toalete da Manhã (1914), de Pierre Bonnard (1867 - 1947), Nu Deitado (1917), de Amedeo Modigliani (1884 - 1920). Nus ainda fazem parte do repertório da produção figurativa do período entreguerras, ocupando lugar de destaque na obra de pintores como Pablo Picasso (1881 - 1973). Não seria exagerado afirmar que o nu constitui um tópico central na produção de Picasso, nos óleos e desenhos eróticos que realiza.

A arte brasileira do século XIX está repleta de nus, no entanto essas representações do corpo feminino tem significações divergentes, enquanto Moema (1866), de Victor Meirelles (1832 - 1903) e A Carioca (1882), de Pedro Américo (1843 - 1905), são alegorias da nação brasileira, Nu de Costas (s.d.) e Estudo de Mulher (1884), ambas de Rodolfo Amoedo (1857 - 1941) e No Verão (1894), de Eliseu Visconti (1866 - 1944) tem um sentido mais realista. O desenho conhece nus de Carlos Leão (1906 - 1983), Ismael Nery (1900 - 1934), Clóvis Graciano (1907 - 1988), Flávio de Carvalho (1899 - 1973), etc. Victor Brecheret (1894 - 1955) esculpe diversas figuras femininas nuas, entre as quais A Bailarina (déc. 1920).

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