sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Manuel Castells


Manuel Castells (Hellín, 1942) é um sociólogo espanhol. Entre 1967 e 1979 lecionou na Universidade de Paris, primeiro no campus de Nanterre e, em 1970, na "École des Hautes Études en Sciences Sociales". No livro "A sociedade em rede", o autor defende o conceito de "capitalismo informacional".

Foi nomeado em 1979 professor de Sociologia e Planejamento Regional na Universidade de Berkeley, Califórnia. Em 2001, tornou-se pesquisador da Universidade Aberta da Catalunha em Barcelona. Em 2003, juntou-se à Universidade da Califórnia do Sul, como professor de Comunicação.

Segundo o Social Sciences Citation Index Castells foi o quarto cientista social mais citado no mundo no período 2000-2006 e o mais citado acadêmico da área de comunicação, no mesmo período [1][2].

Atualmente Castells reside em Barcelona e Santa Monica, junto com a esposa Emma Kiselyova.
[editar] Teoria

Durante a década de 70, Castells teve um importante papel no desenvolvimento da sociologia urbana Marxista. Enfatizou o papel dos movimentos sociais na transformação conflitiva da paisagem urbana.

Introduziu o conceito de "consumo coletivo" para compor um amplo alcance dos esforços sociais, deslocado do campo econômico para o campo político pela intervenção do Estado. Ao abandonar as estruturas Marxistas no início da década de 80, começou a se concentrar no papel das novas tecnologias de informação e comunicação na reestruturação econômica.

Nos meados da década de 90, juntou os lados de sua pesquisa em um sólido estudo, chamado "A Era da Informação", publicado como uma trilogia entre 1996 e 1998.
[editar] Sociedade em Rede

O primeiro volume da Trilogia, "Sociedade em Rede - A Era da informação: Economia, sociedade e cultura", mapeia um cenário mediado pelas novas tecnlogias de informação e comunicação - TICs - e como estas interferem nas estruturas sociais. O autor propõe o conceito de capitalismo informacional, e constrói seu raciocínio partindo da história do forte desenvolvimento das tecnologias a partir da década de 70 e seus impactos nos diversos campos das relações humanas. Demonstra como tecnologias, inicialmente impulsionadas pelas pesquisas militares, foram amplamente utilizadas pelo setor financeiro, justamente em um momento de necessidade de reestruturação do capitalismo. Aproveitando-se do processo de desregulamentação promovido pelos Estados Unidos e organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, o capital financeiro multiplicou sua circulação entre os diversos mercados mundiais, em movimentos cada vez menos vinculados ao processo produtivo. As tecnologias também tiveram papel fundamental na reestruturação das empresas, que puderam horizontalizar suas estruturas e, por meio de TICs de baixo custo, transnacionalizar a produção. Ao analisar a questão da produtividade, Castells ressalta que a introdução das novas tecnologias somente começou a ter efeito a partir do final da década de 1990, o que justificaria a ausência de aumento de produtividade no período 1970-80. Ressalta, também, o impacto dessa reestruturação do capital financeiro e da nova sociedade organizada em rede em relação ao trabalho. Argumenta que, mais do que as novas tecnologias, as políticas empresariais e governamentais, bem como aspectos institucionais e culturais é que determinam os impactos na questão do emprego. Sustenta, ainda, que há um processo tendente à dualização do trabalho, com aumento substancial dos trabalhadores de alto nível e também de nível de menor qualificação, havendo um claro achatamento dos empregados de padrão intermediário de conhecimento e rendimento. Castells, igualmente, apresenta sua formulação teórica do que intitula "a cultura da virtualidade real", lembrando que as culturas consistem processos de comunicação e que, uma vez sendo a comunicação baseada em sinais, não há separação entre "realidade" e representação simbólica. Isso é importante para destacar que as relações humanas, cada vez mais, se darão em um ambiente multimídia, cujos impactos ainda estão por serem estudados.

http://www.scribd.com/doc/19852635/CASTELLS-Manuel-a-Sociedade-Em-Rede-Parte-1


CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, vol. 3, São Paulo: Paz e terra, 1999, p. 411-439


CONCLUSÃO: DEPREENDENDO NOSSO MUNDO



Esta é a conclusão geral de um livro em três volumes. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. Tentei evitar repetições. Sobre a definição dos conceitos teóricos empregados nesta conclusão (por exemplo, informacionalismo ou relações de produção), favor consultar o Prólogo do livro no volume I. Vide também a conclusão do volume I para uma abordagem do conceito de sociedade em rede e a conclusão do volume II para uma análise das relações entre identidade cultural, movimentos sociais e política.
Um novo mundo está tomando forma neste fim de milênio. Originou-se mais ou menos no fim dos anos 60 e meados da década de 70 na coincidência histórica de três processos independentes: revolução da tecnologia da informação; crise econômica do capitalismo e do estatismo e a conseqüente reestruturação de ambos; e apogeu de movimentos sociais e culturais, tais como libertarismo, direitos humanos, feminismo e ambientalismo. A interação entre esses processo e as reações por eles desencadeadas fizeram surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede; uma nova economia, a economia informacional/global; e uma nova cultura, a cultura da virtualidade real. A lógica inserida nessa economia, nessa sociedade e nessa cultura está subjacente à ação e às instituições sociais em um mundo interdependente.
Algumas características cruciais deste novo mundo foram identificadas na análise apresentada nos três volumes deste livro. A revolução da tecnologia da informação motivou o surgimento do informacionalismo como a base material de uma nova sociedade. No informacionalismo, a geração de riqueza, o exercício do poder e a criação de códigos culturais passaram a depender da capacidade tecnológica das sociedades e dos indivíduos, sendo a tecnologia da informação o elemento principal dessa capacidade. A tecnologia da informação tornou-se ferramenta indispensável para a implantação efetiva dos processos de reestruturação socioeconômica. De especial importância, foi seu papel ao possibilitar a formação de redes como modo dinâmico e auto-expansível de organização da atividade humana. Essa lógica preponderante de redes transforma todos os domínios da vida social e econômica.
A crise dos modelos de desenvolvimento econômico tanto do capitalismo como do estatismo motivaram sua reestruturação paralela a partir de meados dos anos 70. nas economias capitalistas, empresas e governos estabeleceram várias medidas e políticas que, em conjunto, levaram a uma nova forma de capitalismo. Suas características são a globalização das principais atividades econômicas, flexibilidade organizacional e maior poder para o patronato em suas relações com os trabalhadores. Pressões competitivas, flexibilidade de trabalho e enfraquecimento de mão-de-obra sindicalizada levaram à redução de despesas com o Estado do bem-estar social, alicerce do contrato social na era industrial. As novas tecnologias da informação desempenharam papel decisivo ao facilitarem o surgimento desse capitalismo flexível e rejuvenescido, proporcionando ferramentas para a formação de redes, comunicação à distância, armazenamento/processamento de informação, individualização coordenada do trabalho e concentração e descentralização simultâneas do processo decisório.
Nessa economia global interdependente, novos concorrentes, empresas e países, vieram reivindicar uma participação crescente na produção, no comércio e no trabalho. O surgimento de uma economia poderosa e competitiva na região do Pacífico e os novos processos de industrialização e expansão de mercado em várias regiões do mundo ampliaram o escopo e a escala da economia global, estabelecendo uma base multicultural de interdependência econômica. Por intermédio da tecnologia, redes de capital, de trabalho, de informação e de mercados conectaram funções, pessoas e locais valiosos ao redor do mundo ao mesmo tempo em que desconectaram as populações e territórios desprovidos de valor e interesse para a dinâmica do capitalismo global. Seguiram-se exclusão social e não-pertinência econômica de segmentos de sociedades, de áreas urbanas, de regiões e de países inteiros, constituindo o que chamo de "o Quarto Mundo". A tentativa desesperada de alguns desses grupos sociais e territórios para conectar-se à economia global e escapar da marginalidade levou a uma situação que chamo de "a conexão perversa", quando o crime organizado em todo o mundo tirou vantagem de sua condição para promover o desenvolvimento da economia do crime global. O objetivo é satisfazer o desejo proibido e fornecer mercadorias ilegais à contínua demanda de sociedades e indivíduos abastados.
A reestruturação do estatismo provou ser mais difícil, sobretudo para a sociedade estatista predominante no mundo, a União Soviética, no centro de uma ampla rede de países e partidos estatistas. Está comprovado que o estatismo soviético foi incapaz de assimilar o informacionalismo e, com isso, bloqueou o crescimento econômico e enfraqueceu, de forma decisiva, seu aparato bélico, fonte básica de poder em um regime estatista. A conscientização sobre a estagnação e o declínio levou alguns líderes soviéticos, de Andropov a Gorbachev, a tentarem uma reestruturação do sistema. Para superar a inércia e a resistência do partido/Estado, os líderes reformistas franquearam o acesso a informações e pediram o apoio da sociedade civil. A poderosa expressão de identidades nacionais/culturais e as demandas populares por democracia não puderam ser facilmente canalizadas para um programa de reformas preestabelecido. A pressão dos acontecimentos, os erros táticos, a incompetência política e a eterna divisão dos aparatos estatistas levaram ao súbito colapso do comunismo soviético em um dos mais extraordinários eventos da história política. Com ele, o império soviético também desmoronou, e os regimes estatistas em sua esfera global de influência enfraqueceram-se de forma decisiva. Assim terminou, em espaço de tempo equivalente a um instante pelos padrões históricos, a experiência revolucionária mais importante do século XX. Também significou o fim da Guerra Fria entre o capitalismo e o estatismo, uma guerra que dividira o mundo, determinara geopolíticas e assombrara nossa vida nesta última metade de século.
Em seu modelo comunista, o estatismo praticamente acabou ali, apesar de o tipo de estatismo da Chima ter tomado um caminho mais complicado e sutil para sua saída histórica, como tentei mostrar no capítulo 4 deste volume, a bem da coerência da argumentação aqui apresentada, deixe-me lembrar o leitor de que nos anos 90, o Estado chinês, embora sob controle total do Partido Comunista, apresenta uma organização voltada para a incorporação da China no capitalismo global com base em um projeto nacionalista representado pelo Estado. Esse nacionalismo chinês com características socialistas está se afastando rapidamente do estatismo em direção ao capitalismo global e, ao mesmo tempo, tentando encontrar um modo de adaptar-se ao informacionalismo sem uma sociedade aberta.
Após o fim do estatismo como sistema, em menos de uma década o capitalismo prospera no mundo e aumenta sua penetração nos países, culturas e domínios da vida. Não obstante um panorama social e cultural bastante diversificado, pela primeira vez na história, todo o planeta está organizado com base em um conjunto de regras econômicas em grande parte comuns. É, todavia, um tipo de capitalismo diferente daquele formado ao longo da Revolução Industrial ou do capitalismo resultante da Depressão dos anos 30 e da Segunda Guerra Mundial, sob a forma de keynesianismo econômico e ênfase no estado do bem-estar social. É uma forma de capitalismo com objetivos mais firmes, porém com meios incomparavelmente mais flexíveis que qualquer um de seus predecessores. É o capitalismo informacional, que consta com a produtividade promovida pela inovação e a competitividade voltada para a globalização a fim de gerar riqueza e apropriá-la de forma seletiva. Está, mais que nunca, inserido na cultura e é equipado pela tecnologia, mas, desta vez, tanto a cultura como a tecnologia dependem da capacidade de conhecimentos e informação agirem sobre conhecimentos e informação em uma rede recorrente de intercâmbios conectados em âmbito global.
As sociedades, contudo, não são apenas o resultado da transformação tecnológica e econômica, nem pode a mudança social ficar limitada a crises e adaptações institucionais. Mais ou menos ao mesmo tempo em que esses desenvolvimentos começaram a ocorrer ao fim dos anos 60, explodiram importantes movimentos sociais quase simultâneos por todo o mundo industrializado, primeiro nos Estados Unidos e na França, depois na Itália, Alemanha, Espanha, Japão, Brasil, México, Tchecoslováquia, com ecos e reações em muitos outros países. Como participante desses movimentos sociais (era professor adjunto de sociologia no campus Nanterre da Universidade de Paris em 1968), sou testemunha de seu libertarismo. Apesar de, muitas vezes, adotarem expressões ideológicas marxistas em suas vanguardas militantes, eles tinham pouco a ver com o marxismo ou, a esse respeito, com a classe operária. Eram movimentos essencialmente culturais, querendo mudar a vida em vez de assumir o poder. Sabiam, por intuição, que o acesso às instituições do Estado coopta o movimento, ao passo que a construção de um novo Estado revolucionário perverte o movimento. Suas ambições abrigavam reação multidimensional à autoridade arbitrária, revolta contra a injustiça e busca por experimentação pessoal embora quase sempre postos em prática por estudantes, não eram, em absoluto, movimentos estudantis, visto que permeavam toda a sociedade, acima de tudo entre os jovens, e seus valores repercutiram em todas as esferas da vida. É claro que no plano político eram derrotados, pois, como a maioria dos movimentos utópicos da história, eles nunca visavam à vitória política. Mas desapareciam com alta produtividade histórica, com muitas de suas idéias e alguns de seus sonhos germinando nas sociedades e florescendo como inovações culturais que políticos e ideólogos terão de entender e aceitar nas gerações futuras. Desses movimentos surgiram as idéias que se transformariam na fonte do ambientalismo, do feminismo e da contínua defesa dos direitos humanos, da liberdade sexual, da igualdade étnica e da democracia popular. Os movimentos culturais dos anos 60 e do início da década de 70, com sua afirmação de autonomia individual contra o capital e o Estado deram nova ênfase à política da identidade. Essas idéias prepararam caminho para a construção de comunas culturais na década de 90, quando a crise de legitimidade das instituições da era industrial obscurecia o significado de política democrática.
Os movimentos sociais não eram reações à crise econômica. Sem dúvida, eles explodiram no fim dos anos 60, no auge do crescimento sustentado e pleno emprego, como crítica à "sociedade do consumismo". Embora tenham induzido algumas greves de trabalhadores, como na França, e auxiliado a esquerda política, como na Itália, esses movimentos não pertenciam à política de esquerda nem de direita da era industrial que fora organizada com base nas divisões de classes, próprias do capitalismo, e, embora em termos gerais eles coexistissem com a revolução da tecnologia da informação, a tecnologia estava em grande parte ausente dos valores ou críticas da maioria dos movimentos, se excetuarmos alguns apelos contra o maquinismo desumanizador e a oposição à energia nuclear (tecnologia antiga na Era da Informação). Todavia, mesmo que tenham sido fundamentalmente culturais e independentes das transformações econômicas e tecnológicas, esses movimentos tiveram impacto sobre a economia, a tecnologia e os resultantes processos de reestruturação. Seu espírito libertário exerceu influência considerável no movimento para os usos individualizados e descentralizados da tecnologia. Sua profunda separação da política trabalhista tradicional contribuiu para o enfraquecimento da mão-de-obra sindicalizada e, com isso, facilitou a reestruturação capitalista. Sua abertura cultural estimulou a experimentação tecnológica com manipulação de símbolos, constituindo um novo mundo de representações imaginárias que evoluiriam para a cultura da virtualidade real. seu cosmopolitismo e internacionalismo lançaram as bases intelectuais para um mundo interdependente. E sua aversão ao Estado enfraqueceu a legitimidade dos rituais democráticos, apesar de alguns líderes do movimento terem prosseguido no intuito de renovar as instituições políticas. Além disso, ao recusarem a transmissão ordeira dos códigos eternos e dos valores estabelecidos, tais como o patriarcalismo, o tradicionalismo religioso e o nacionalismo, os movimentos dos anos 60 prepararam terreno para uma divisão fundamental nas sociedades de todo o mundo: por um lado, as elites ativas com cultura auto-definida, construindo os próprios valores embasados em sua experiência; por outro, grupos sociais inseguros e cada vez mais incertos, desprovidos de informação, recursos e poder, cavando as próprias trincheiras de resistência exatamente com base nesses valores eternos execrados pelos rebeldes dos anos 60.
A revolução da tecnologia, a reestruturação da economia e a crítica da cultura convergiram para uma redefinição histórica das relações de produção, poder e experiência em que se baseia a sociedade.

UMA NOVA SOCIEDADE

Surge uma nova sociedade quando e se uma transformação estrutural puder ser observada nas relações de produção, de poder e de experiência. Essas transformações conduzem a uma modificação também substancial das formas sociais de espaço e tempo e ao aparecimento de uma nova cultura.
As informações e as análises apresentadas nos três volumes deste livro representam forte indicação dessa transformação multidimensional neste fim de milênio. Resumirei as principais características da mudança de cada dimensão, encaminhando o leitor aos respectivos capítulos que tratam de cada assunto para material empírico que confere alguma credibilidade às conclusões apresentadas a seguir.
As relações de produção transformaram-se tanto em termos sociais como técnicos. Na verdade, elas são capitalistas, mas de um tipo de capitalismo historicamente diferente que chamo de capitalismo informacional. Para maior clareza, analisarei, em seqüência, as novas características do processo produtivo, do trabalho e do capital. Então, a transformação das relações de classes poderá tornar-se visível.
A produtividade e a competitividade constituem os principais processos da economia informacional/global. A produtividade origina-se essencialmente da inovação, e a competitividade, da flexibilidade. Portanto, empresas, regiões, países, unidades econômicas de todas as espécies preparam suas relações de produção para maximizar a inovação e a flexibilidade. A tecnologia da informação e a capacidade cultural de utilizá-la são fundamentais no desempenho da nova função da produção, além disso, um novo tipo de organização e administração, com vistas à adaptabilidade e coordenação simultâneas, torna-se a base do sistema operacional mais efetivo, exemplificando pelo que rotulei de a empresa em rede.
Nesse novo sistema de produção, a mão-de-obra é redefinida, no que diz respeito a seu papel de produtora, e bastante diferenciada conforme as características dos trabalhadores. Uma diferença importante refere-se ao que chamo de mão-de-obra genérica versus mão-de-obra auto-programável. A qualidade crucial para a diferenciação desses tipos de trabalhadores é a educação e a capacidade de atingir níveis educacionais mais altos, ou sejam, os conhecimentos incorporados e a informação, deve-se estabelecer distinção entre o conceito de educação e o de conhecimento especializados. Conhecimentos especializados podem tornar-se obsoletos com rapidez mediante mudança tecnológica e organizacional. Educação ou instrução (diferentemente do internamento de crianças e estudantes em instituições) é o processo pelo qual as pessoas, isto é, os trabalhadores, adquirem capacidade para uma redefinição constante das especialidades necessárias à determinada tarefa e para o acesso às fontes de aprendizagem dessas qualificações especializadas. Qualquer pessoa instruída, em ambiente organizacional adequado, poderá reprogramar-se para as tarefas em contínua mudança no processo produtivo. Já a mão-de-obra genérica recebe determinada tarefa sem nenhum recurso de reprogramação, e não se pressupõe a incorporação de informações e conhecimentos além da capacidade de receber e executar sinais. É claro que esses "terminais humanos" podem ser substituídos por máquinas ou por "outro corpo" da cidade, do país ou do mundo em função das decisões empresariais. Embora, no conjunto, sejam imprescindíveis ao processo produtivo, individualmente esses trabalhadores são dispensáveis, pois o valor agregado de cada um deles representa uma pequena fração do que é gerado pela e para a organização. Máquinas e mão-de-obra genérica de várias origens e locais coabitam os mesmo circuitos sibservientes do sistema de produção.
A flexibilidade instituída em termos organizacionais pela empresa em rede requer trabalhadores ativos na rede e trabalhadores de jornada flexível, bem como uma ampla série de sistemas de trabalho, inclusive trabalho autônomo e subcontratações recíprocas. A geometria variável desses sistemas leva à descentralização coordenada do trabalho e à individualização dos trabalhadores.
A economia informacional/global é capitalista; sem dúvida, mais capitalista que qualquer outra economia na história. Mas o capital está tão mudado quanto o trabalho nessa nova economia. A norma continua sendo a produção pelo lucro e para a apropriação privada dos lucros com base nos direitos de propriedade – o que constitui a essência do capitalismo. Mas como ocorre essa apropriação de lucros? Quem são os capitalistas? Devem-se considerar três diferentes níveis para responder a essa pergunta básica. Apenas o terceiro nível é específico ao capitalismo informacional.
O primeiro nível diz respeito aos detentores dos direitos de propriedade que são basicamente de três tipos: (a) acionistas de empresas, grupo em que acionistas institucionais anônimos predominam cada vez mais e cujas decisões sobre investimento e desinvestimento são, muitas vezes, determinadas apenas por análises financeiras de curto prazo; (b) proprietários familiares, forma de capitalismo ainda importante, sobretudo na região do Pacífico asiático: e (c) empresários individuais, donos dos próprios meios de produção (a inteligência é seu maior patrimônio), empreendedores que correm riscos, e donos de sua própria fonte geradora de lucros. Esta última categoria, que havia sido fundamental para as origens do capitalismo industrial e depois foi, em grande parte, sendo extinta de forma gradativa pelo industrialismo empresarial, retornou de forma notável com o capitalismo informacional, usando a preeminência da inovação e da flexibilidade como características essenciais do novo sistema de produção.
O segundo nível de formas capitalistas refere-se à classe de administradores, ou seja, os controladores dos bens de capital em nome dos acionistas. Esses administradores, cuja primazia Berle e Means j;á haviam mostrado na década de 30, ainda constituem o centro do capitalismo no informacionalismo, sobretudo nas empresas multinacionais. Não vejo motivo para não incluir entre eles. Os administradores de empresas estatais que praticamente seguem a mesma lógica e compartilham a mesma cultura, menos o risco de perdas, que são cobertas pelo contribuinte.
O terceiro nível do processo de apropriação de lucros pelo capital é história antiga, mas também é característica fundamental do novo capitalismo informacional. Diz respeito à natureza dos mercados financeiros globais. Nesses mercados, os lucros de todas as fontes acabam convergindo em busca de maiores ganhos. Na verdade, as margens de lucro nos mercados acionário, monetário, de títulos, futuros, opções e derivativos, isto é, nos mercados financeiros em geral, são em média muito mais altas que na maior parte dos investimentos diretos, à exceção de alguns casos de especulação. Essa vantagem não decorre da natureza do capital financeiro, a forma mais antiga de capital na história, mas sim das condições tecnológicas em que o capital opera no informacionalismo. Ou seja, este último invalida o conceito de espaço e tempo mediante meios eletrônicos. Sua capacidade tecnológica e informacional de fazer análises contínuas, por todo o planeta em busca de oportunidades de investimento, e de mudar de uma opção para outra em questão de segundos faz com que o capital esteja em movimento constante, fundindo nesse movimento capital de todas as origens, como em investimentos em fundos mútuos. Os recursos de programação e previsão dos modelos de gerenciamento financeiro possibilitam colonizar o futuro e seus interstícios (isto é, possíveis cenários alternativos), vendendo esse "patrimônio irreal" como direitos de propriedade do imaterial. Jogando-se segundo as regras, não há nada de errado com esse cassino global. Afinal de contas, se uma gestão cautelosa e tecnologia apropriada evitam crises drásticas de mercado, as perdas de algumas frações de capital representam os ganhos de outras, de forma que no longo prazo o mercado faz um balanço e mantém um equilíbrio dinâmico. Contudo, em razão do diferencial entre o montante de lucros obtidos com a produção de bens e serviços e o valor que se pode conseguir com investimentos financeiros, os capitais individuais de todos os tipos, sem dúvida, dependem da sorte de seus investimentos nos mercados financeiros globais, visto que o capital nunca pode ficar ocioso. Desse modo, os mercados financeiros globais e suas redes de gerenciamento são o verdadeiro capitalista coletivo, a mãe de todas as acumulações. Não quer dizer que o capital financeiro domine o capital industrial, antiga dicotomia que simplesmente não condiz com a nova realidade econômica. De fato, nos últimos vinte e cinco anos, em geral as próprias empresas de todo o mundo financiaram a maioria dos investimentos co m a receita gerada por suas atividades. Bancos não controlam indústrias nem a si mesmos. Empresas de todos os tipos, agentes financeiros, produtores industriais, agrícolas e de serviços, bem como governos e instituições públicas, utilizam-se das redes financeiras globais como depositárias de suas receitas e fonte potencial de maiores lucros. É dessa forma específica que as redes financeiras globais são o centro nervoso de capitalismo informacional. Seus movimentos determinam o valor de ações, títulos e moedas, trazendo a ruína ou a prosperidade a poupadores, investidores, empresas e países. Mas esses movimentos não seguem uma lógica de mercado. O mercado é torcido, manipulado e transformado por uma combinação de manobras estratégicas acionadas por computadores, psicologia das multidões a partir de fontes multiculturais e turbulências inesperadas causadas por graus cada vez maiores de complexidade na interação entre os fluxos de capital em escala global. Embora economistas de primeira linha estejam tentando elaborar o modelo de comportamento desse mercado com base na teoria de jogo, os dados desses esforços heróicos para encontrar padrões de expectativas racionais são baixados de imediato nos computadores de magos das finanças para obter nova vantagem competitiva desse conhecimento, inovando os padrões de investimentos já conhecidos.
As conseqüências desses progressos sobre as relações das classes sociais são tão profundas quanto complexas. Entretanto, antes de identificá-las, preciso caracterizar os diferentes sentidos de relações de classes. Uma abordagem enfoca a desigualdade social com base na renda e na condição social, segundo a teoria da estratificação social. nessa perspectiva, o novo sistema distingue-se por uma tendência a aumentar a desigualdade social e a polarização, ou seja, o crescimento simultâneo de ambos os extremos da escala social, o mais alto e o mais baixo. Esse cenário resulta de três fatores: (a) uma diferenciação fundamental entre mão-de-obra altamente produtiva e autoprogramável e mão-de-obra genérica dispensável: (b) a individualização dos trabalhadores, que enfraquece a organização coletiva e abandona os segmentos mais frágeis da força de trabalho ao próprio destino; e (c) sob o impacto da individualização dos trabalhadores, da globalização da economia e da deslegitimação do estado, o fim gradativo do estado do bem-estar-social, com isso tirando a rede de segurança das pessoas que necessitam dessa assistência. Essa tendência para a desigualdade e polarização com certeza não é inexorável: pode ser combatida e evitada por políticas públicas deliberadas. Mas a desigualdade e a polarização são predefinidas na dinâmica do capitalismo informacional e prevalecerão a menos que seja tomada alguma ação consciente para contrapor-se a elas.
Um segundo significado de relações de classes diz respeito à exclusão social. Com isso refiro-me à desassociação entre pessoas como pessoas e pessoas como trabalhadores/consumidores como trabalhadores na dinâmica do capitalismo informacional em escala global. No capítulo 2 deste volume, procurei mostrar as causas e as conseqüências dessa tendência em várias situações. Sob a perspectiva da lógica do novo sistema de produção, um número considerável, provavelmente em crescimento, de seres humanos não é mais pertinente nem como produtor, nem como consumidor. Devo enfatizar mais uma vez: isso não equivale a dizer que há (ou haverá) desemprego em massa. Dados comparativos revelam que, no geral, em todas as sociedades urbanas a maior parte das pessoas e/ou suas famílias tem trabalho remunerado, mesmo em bairros e em países pobres. A questão é: que espécie de trabalho, por qual tipo de salário, sob quais condições? É isto que está acontecendo: a massa de trabalhadores genéricos circula por vários empregos, cada vez mais por trabalhos eventuais, com muita descontinuidade. Portanto, milhões de pessoas estão o tempo todo com e sem trabalho remunerado, freqüentemente em atividades informais e, em grande parte, no chão de fábrica da economia do crime, além disso, a perda da relação estável com o emprego e o pequeno poder de barganha de muitos trabalhadores levam a um nível mais alto de incidência de crises profundas na vida familiar: perda temporária de emprego, crises pessoais, doença, vícios em drogas/álcool, perda de empregabilidade, perda de bens, perda de crédito. Muitas dessas crises ligam-se entre si, provocando a espiral descendente da exclusão social rumo ao que chamei de "os buracos negros do capitalismo informacional", dos quais, segundo dados estatísticos, é difícil escapar.
A fronteira entre a exclusão social e a sobrevivência diária está cada vez mais indistinta para grande número de pessoas em todas as sociedades, após perder boa parte da rede de segurança, sobretudo no caso das novas gerações da era pós-Estado do bem-estar social, as pessoas não conseguem acompanhar a constante e necessária atualização profissional. Com isso, ficam para trás na corrida competitiva e transformam-se em prováveis candidatas à próxima rodada de "enxugamento" dessa camada intermediária, que constitui a força das sociedades capitalistas avançadas durante a era industrial e agora se encolher cada vez mais. Portanto, os processos de exclusão social não apenas afetam aqueles que estão em "verdadeira situação de desvantagem", mas também os indivíduos e as categorias sociais que construíram a vida com base em luta constante para não cair em um submundo estigmatizado de mão-de-obra desvalorizada e de pessoas socialmente incapazes.
Um terceiro modo de compreender as novas relações de classes, desta vez na tradição marxista, diz respeito a quem são os produtores e quem apropria os produtos de seu trabalho. Admitindo-se que a inovação seja a fonte principal de produtividade, conhecimentos e informação sejam os elementos essenciais do novo processo produtivo e a educação seja a principal qualidade dos trabalhadores, os novos produtores do capitalismo informacional são esses geradores de conhecimentos e processadores de informação cuja ajuda é valiosíssima para a empresa, a região e a economia nacional. Mas a inovação não ocorre de forma isolada. É parte de um sistema em que a gestão das organizações, o processamento de conhecimentos e de informação e a produção de bens e serviços estão interligados. Definida desse modo, essa categoria de produtores informacionais inclui um enorme grupo de administradores, profissionais especializados e técnicos que formam um "trabalhador coletivo", ou seja, uma unidade produtora formada pela cooperação entre vários trabalhadores individuais inseparáveis. Nos países da OCDE eles podem representar por volta de um terço da população empregada. A maioria dos outros trabalhadores talvez esteja na categoria da mão-de-obra genérica, potencialmente substituível por máquinas ou por outros membros dessa mesma força de trabalho. Esses trabalhadores precisam dos produtores para a produção de seu poder de barganha. Todavia os produtores informacionais não precisam deles, o que representa uma divisão básica no capitalismo informacional, levando à dissolução progressiva dos remanescentes da solidariedade de classe existente na sociedade industrial.
Mas quem apropria uma fatia do trabalho dos produtores informacionais? Sob um aspecto, nada mudou em relação ao capitalismo clássico: são os empregadores. Esse é o motivo básico pelo qual eles dão emprego aos produtores. Entretanto, o mecanismo de apropriação do excedente é bem mais complicado. Primeiro, conforme a tendência, as relações de emprego são individualizadas, isto é, haverá um acordo diferente com cada produtor. Segundo, uma proporção crescente de produtores controla o próprio processo de trabalho e entra em relações de trabalho horizontais específicas de forma que, em grande parte, torna-se produtor independente, submetido às forças do mercado, mas praticando estratégias de mercado. Terceiro, com freqüência suas receitas vão para o turbilhão dos mercados financeiros globais, alimentados exatamente pelo segmento abastado da sociedade da população global, de maneira que eles também são proprietários coletivos de capital coletivo, ficando dependentes do desempenho dos mercados de capital. Nessas condições, não podemos dizer que haja uma contradição de classes entre essas redes de produtores bastante individualizados e o capitalista coletivo das redes financeiras globais. Na verdade, há abuso e exploração freqüente de produtores individuais, bem como de grandes massas de trabalhadores genéricos por quem quer que esteja no comando dos processos produtivos. Porém, a segmentação dos trabalhadores, a individualização do trabalho e a difusão do capital nos circuitos das finanças globais, em conjunto, provocaram o desaparecimento gradativo da estrutura de classes na sociedade industrial. Há (e haverá) intensos conflitos sociais, alguns deles promovidos por trabalhadores e sindicatos, da Coréia à Espanha. Porém, não são a expressão de luta de classes, e sim, de exigências de grupos de interesses e/ou de revolta contra a injustiça.
Estas são as divisões sociais realmente básicas da Era da Informação: primeiro, a fragmentação interna da força de trabalho entre produtores informacionais e mão-de-obra genérica substituível. Segundo, a exclusão social de um segmento significativo da sociedade formado por indivíduos descartados cujo valor como trabalhadores/consumidores já está desgastado e cuja importância como pessoa é ignorada. E, terceiro, a separação entre a lógica de mercado das redes globais de fluxos de capital e a experiência humana de vida dos trabalhadores.
As relações de poder também estão sendo transformadas pelos processos sociais identificados e analisados neste livro. A principal mudança diz respeito à crise do Estado-nação como entidade soberana e a crise conexa da democracia política, como foi construída nos dois últimos séculos. Como os comandos do Estado não poderão ser impostos por completo e visto que algumas de suas promessas fundamentais incorporadas no Estado do bem-estar social não poderão ser cumpridas, sua autoridade e legitimidade são questionadas. Como a democracia representativa concretiza-se na noção de um órgão soberano, a indefinição de fronteiras de soberania leva a incertezas no processo de delegação da vontade popular. A globalização do capital, a "multilateralização" das instituições do poder e a descentralização da autoridade para governos regionais e locais ocasionam uma nova geometria do poder, talvez levando a uma nova forma de Estado, o Estado em rede. Atores sociais e cidadãos em geral maximizam as chances de representação de seus interesses e valores, utilizando-se de estratégias nas redes de relações entre várias instituições, em diversas esferas de competência. Cidadãos de uma determinada região européia terão melhores oportunidades de defender seus interesses se apoiarem as autoridades regionais contra o governo nacional, em aliança com a União Européia. Ou o contrário. Ou ainda nenhuma, nem outra coisa, ouse já, afirmando a autonomia local/regional contra ambos, o Estado-nação e as instituições supranacionais. Norte-americanos descontentes poderão injuriar o governo federal em nome da nação norte-americana. Ou as novas elites empresariais chinesas poderão cuidar de seus interesses unindo-se ao governo provincial, ou ao ainda poderoso governo nacional, ou às redes de comunidades chinesas no exterior. Em outras palavras, a nova estrutura do poder é controlada por uma geometria em rede em que as relações de poder são sempre específicas a determinada configuração de atores e instituições.
Nessas condições, a política informacional posta em prática principalmente por manipulação de símbolos no espaço da mídia combina com este mundo das relações de poder em constante mudança. Jogos estratégicos, representação sob medida e liderança personalizada substituem eleitorados de classes, mobilização ideológica e controle partidário, características da política da era industrial.
À medida que a política se torna um teatro, e as instituições políticas são mais agências de negociação que locais de poder, os cidadãos de todo o mundo defendem-se por meio do voto para impedir que o estado os prejudique, em vez de confiarem as ele a representação de sua vontade. Em certo sentido, o sistema político é destinado de poder, embora não de influência.
O poder, contudo, não desaparece. Em uma sociedade informacional, ele fica fundamentalmente inscrito nos códigos culturais mediante os quais as pessoas e as instituições representam a vida e tomam decisões, inclusive políticas. Em certo sentido, o poder, embora real, torna-se imaterial. É real, pois, onde quer que e quando quer que se consolide, dá aos indivíduos e às organizações, por determinado tempo, a capacidade para impor, suas decisões independentemente de consenso. Mas é imaterial porque tal capacidade deriva-se da capacidade de compor a experiência de vida em categorias que predispõem a determinado comportamento e, depois, poderão ser apresentadas de modo a beneficiar determinada liderança. Por exemplo, se uma população sentir-se ameaçada por temores multidimensionais inidentificáveis, a composição desses temores segundo os códigos de imigração = raça = pobreza = Estado do bem-estar = crime = perda de emprego = impostos = ameaça fornece um alvo identificável, define um NÓS contra ELES e favorece os líderes que se tornam mais merecedores de crédito ao apoiarem uma dose razoável de racismo e xenofobia. Ou, em um exemplo muito diferente, se as pessoas ligarem a qualidade de vida à conservação da natureza e à serenidade espiritual, poderão surgir novos atores políticos, e novas políticas públicas poderão ser implementadas.
Batalhas culturais são as lutas pelo poder da Era da Informação. São travadas basicamente dentro da mídia e por ela, mas os meios de comunicação não são os detentores do poder. O poder, como capacidade de impor comportamentos, reside nas redes de troca de informação e de manipulação de símbolos que estabelecem relações entre atores sociais, instituições e movimentos culturais por intermédio de ícones, porta-vozes e amplificadores intelectuais. No longo prazo, não importa quem está no poder porque a distribuição dos papéis políticos torna-se generalizada e rotativa. Não há mais elites estáveis do poder. Há, contudo, elites resultantes do poder, ou seja elites formadas durante seu breve período de detenção de poder em que tiram, vantagens da posição política privilegiada para obter acesso mais permanente aos recursos materiais e às conexões sociais. A cultura como fonte de poder e o poder como fonte de capital são a base da nova hierarquia social da Era da Informação.
A transformação das relações de experiência gira sobretudo em torno da crise do patriarcalismo, uma das causas da profunda redefinição da família, das relações de gênero, da sexualidade e, portanto, da personalidade. Tanto por motivos estruturais (ligados à economia informacional) como em razão do impacto dos movimentos sociais (feminismo, lutas femininas e liberação sexual), a autoridade patriarcal é contestada na maior parte do mundo, embora sob várias formas e com diferente intensidade dependendo dos contextos culturais/institucionais. O futuro da família é incerto, mas o futuro do patriarcalismo não é; este último só poderá sobreviver sob a proteção de Estados autoritários e do fundamentalismo religioso. Conforme demonstram os estudos apresentados no capítulo 4 do volume II, nas sociedades abertas a família patriarcal está passando por crise profunda, enquanto novos embriões de famílias igualitárias ainda estão lutando contra o velho mundo de interesses, medos e preconceitos. Redes de pessoas (sobretudo para mulheres) substituem cada vez mais as famílias nucleares como formas primárias de apoio emocional e material. Os indivíduos e seus filhos seguem um padrão de família seqüencial e de planos pessoais não-familiares durante a vida. E, embora exista uma tendência bastante crescente de envolvimento dos homens com seus filhos, as mulheres – solteiras ou morando juntas – e os filhos representam, cada vez mais, a forma predominante de reprodução da sociedade, modificando assim os padrões de socialização de maneira profunda. É verdade que estou tomando como ponto principal de referência a experiência dos Estados Unidos e da maior parte da Europa Ocidental (sendo que o sul da Europa e, até certo ponto, exceção no contexto europeu). Todavia, como afirmei no volume II, pode-se demonstrar que as lutas das mulheres sejam ou não reconhecidamente feministas, estão se espalhando por todo o mundo e enfraquecendo o patriarcalismo na família, na economia e nas instituições sociais. A meu ver, é muito provável que, como a difusão das lutas femininas e a crescente conscientização das mulheres sobre sua opressão, o desafio feminino coletivo à ordem patriarcal se generalize, desencadeando processos de crises nas estruturas familiares tradicionais. Vejo sinais de uma recomposição da família, à medida que milhões de homens parecem estar prontos para desistir de seus privilégios e trabalhar ao lado das mulheres para encontrar novas formas de amar, compartilhar e ter filhos. Na verdade, acredito que reconstrução das famílias sob formas igualitárias seja o alicerce necessário para a reconstrução da sociedade pela base. As famílias são mais que nunca as provedoras da segurança psicológica e do bem-estar material em um mundo caracterizado pela individualização do trabalho, destruição da sociedade civil e deslegitimação do Estado. Entretanto, a mudança para novas formas de família implica uma redefinição fundamental das relações de gênero na sociedade de modo geral e, conseqüentemente, uma redefinição da sexualidade. Como são moldados pela família e pela sexualidade, os sistemas de personalidade também estão em mudança contínua. Caracterizei tal estado como personalidades flexíveis, capazes de dedicar-se o tempo todo à reconstrução do ser, em vez de defini-lo mediante a adaptação a comportamentos que no passado foram papéis sociais convencionais, mas são viáveis na atualidade e, portanto, já não fazem sentido. A mudança mais fundamental das relações de experiência na Era da Informação é sua passagem para um padrão de interação social construído sobretudo pela experiência real da relação. Hoje em dia, as pessoas mais produzem formas de sociabilidade que seguem modelos de comportamento.
As mudanças nas relações de produção, poder e experiência convergem para a transformação das bases materiais da vida social, do espaço e do tempo. O espaço de fluxos da Era da Informação domina o espaço de lugares das culturas das pessoas. O tempo intemporal, como tendência social rumo à invalidação do tempo pela tecnologia, supera a lógica do tempo cronológico da era industrial. O capital circula, o poder impera e a comunicação eletrônica rodopia pelos fluxos de intercâmbios entre locais distantes selecionados, enquanto a experiência fragmentada permanece presa aos lugares. A tecnologia reduz o tempo a alguns instantes aleatórios e, com isso, desarticula a seqüência da sociedade e o desenvolvimento da história. Ao encerrar o poder no espaço de fluxos, permitir que o capital escape do tempo e dissolver a história na cultura do efêmero, a sociedade em rede desincorpora as relações sociais e introduz a cultura da virtualidade real. Deixe-me explicar.
Ao longo da história, as culturas foram geradas por pessoas que compartilham espaço e tempo – sob condições determinadas pelas relações de produção, poder e experiência e modificadas por seus projetos – e lutam umas contra as outras para impor valores e objetivos à sociedade. Portanto, as configurações espaciais-temporais eram importantíssimas ao significado de cada cultura e a sua evolução diferencial. No paradigma informacional surgiu uma nova cultura a partir da superação dos lugares e da invalidação do tempo pelo espaço de fluxos e pelo tempo intemporal: a cultura da virtualidade real. conforme observado no capítulo 5 do volume I, chamo de virtualidade real um sistema em que a realidade em si (ou seja, a existência material/simbólica das pessoas) está imersa por completo em um ambiente de imagens virtuais, no mundo do faz-de-conta, em que os símbolos não são apenas metáforas, mas abarcam a experiência real. esse sistema não é a conseqüência dos meios de comunicação eletrônicos, embora estes sejam instrumentos indispensáveis de expressão da nova cultura. A base material que explica por que a virtualidade real é capaz de dominar a imaginação e os sistemas de representação das pessoas é op modo de vida delas no espaço de fluxos e no tempo intemporal. Por um lado, as funções e os valores predominantes na sociedade são organizados em simultaneidade sem contigüidade, ou seja, em, fluxos de informação que se libertam da experiência incorporada em qualquer lugar. Por outro, os valores e interesses predominantes são construídos sem referência ao passado ou ao futuro no panorama intemporal das redes de computadores e da mídia eletrônica, em que todas as expressões ou são instantâneas, ou não apresentam seqüência previsível. Todas as expressões de todos os tempos e de todos os espaços misturam-se no mesmo hipertexto, reorganizado e comunicado a qualquer hora, em qualquer lugar, em função apenas dos interesses dos emissores e dos humores dos receptores. Essa virtualidade é nossa realidade porque está na estrutura desses sistemas simbólicos intemporais desprovidos de lugar cujas categorias construímos e cujas imagens, também por nós evocadas, modelam o comportamento, influenciam a política, acalentam sonhos e provocam pesadelos.
Essa é a nova estrutura social da Era da Informação, por mim chamada de sociedade em rede porque constituída de redes de produção, poder e experiência, que constroem a cultura da virtualidade nos fluxos globais os quais, por sua vez, transcendem o tempo e o espaço. Nem todas as dimensões e instituições da sociedade seguem a lógica da sociedade em rede, do mesmo modo que as sociedades industriais abrigaram por longo tempo muitas formas pré-industriais da existência humana. Mas todas as sociedades da Era da Informação são, sem dúvida, penetradas com diferente intensidade pela lógica difusa da sociedade em rede, cuja expansão dinâmica aos poucos absorve e supera as formas sociais preexistentes.
A sociedade em rede, como qualquer outra estrutura social, não deixa de ter contradições, conflitos sociais e desafios de formas alternativas de organização social. Todavia, tais desafios são provocados pelas características da sociedade em rede, sendo, portanto, muito distintos dos apresentados pela era industrial. Assim, eles são personificados por diferentes sujeitos, mesmo que esses sujeitos trabalhem freqüentemente com materiais históricos fornecidos pelos valores e organizações herdados do capitalismo industrial e do estatismo.
A compreensão de nosso mundo requer a análise simultânea da sociedade em rede e de seus desafios conflituosos. A regra histórica, a saber: onde há dominação há resistência, continua válida. Mas é necessário um esforço analítico para identificar quem são os desafiadores dos processos de dominação implementados pelos fluxos imateriais, porém poderosos, da sociedade em rede.

OS NOVOS CAMINHOS DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Segundo a observação e conforme registrado no volume II, os desafios sociais contra os padrões de dominação na sociedade em rede em geral assumem a forma de identidades autônomas em construção. Essas identidades são externas aos princípios da sociedade em rede. Contra o culto à tecnologia, o poder dos fluxos e a lógica dos mercados, elas opõem seu ser, suas crenças e seu legado. O que caracteriza os movimento sociais e projetos culturais construídos com base em identidades na Era da Informação é que eles não se originam dentro das instituições da sociedade civil. Esses movimentos e projetos introduzem desde o começo uma lógica social alternativa diferente dos princípios de desempenho que embasam o estabelecimento das instituições dominantes na sociedade. Na era industrial, os movimentos de trabalhadores travavam luta ferrenha contra o capital. O capital e o trabalho, contudo, compartilhavam os objetivos e valores da industrialização – produtividade e progresso material – cada um procurando controlar seus desenvolvimentos e obter uma fatia maior do produto de seu esforço. No final, eles chegaram a um pacto social. na Era da Informação, a principal lógica das redes globais predominantes é tão difusa e penetrante, que o único modo de se livrar de seu domínio parece ser ficar fora delas e reconstruir com base em um sistema de valores e crenças inteiramente distinto. Esse é o caso das comunas de identidade de resistência por mim identificadas. O fundamentalismo religioso não rejeita a tecnologia, porém a coloca a serviço da Lei de Deus, à qual todas as instituições e objetivos deve, submeter-se sem uma possível negociação. O nacionalismo, localismo, separatismo étnico e as comunas culturais rompem com a sociedade em geral e reconstroem suas instituições, não a partir da base, mas de dentro para fora, o "quem somos nós" versus aqueles que não são dos nossos.
Mesmo os movimentos pró-ativos à transformação do padrão global de relações sociais entre as pessoas, tal como o feminismo, ou entre as pessoas e a natureza, como o ambientalismo, iniciam-se com a rejeição dos princípios básicos em que nossas sociedades são construídas: patriarcalismo, produtivismo. É natural que haja todos os tipos de nuanças na prática dos movimentos sociais como tentei deixar claro no volume II, mas fundamentalmente, os princípios de autodefinição, uma das fontes de sua existência, representam um rompimento com a lógica social institucionalizada. Se as instituições sociais, econômicas e culturais de farto aceitassem o feminismo e o ambientalismo, transformar-se-iam na essência. Utilizando uma palavra antiga, seria uma revolução.
A força dos movimentos sociais com base em identidades é a sua autonomia vis-à-vis as instituições do Estado, a lógica do capital e a sedução da tecnologia. É difícil cooptá-los, embora, com certeza, alguns dos participantes possam ser cooptados. Mesmo derrotados, sua resistência e projetos têm impacto sobre a sociedade e a transformam, como demonstrei em vários casos selecionados e apresentados no volume II. As sociedades da Era da Informação não podem ser reduzidas à estrutura e à dinâmica da sociedade em rede. De acordo com minha exploração de nosso mundo, parece que as sociedades são formadas pela interação entre a Net e o Ser, entre a sociedade em rede e o poder da identidade.
Contudo, o problema fundamental suscitado pelos processos de mudança social que são na maior parte externos às instituições e aos valores da sociedade, na forma em que esta se encontra, é que eles poderão fragmentar-se e não constituir a sociedade. Em vez de instituições transformadas, teríamos comunas de todos os tipos. Em vez de classes sociais, presenciaríamos o surgimento de tribos. E no lugar de interação conflituosa entre as funções do espaço de fluxos e o significado do espaço de lugares poderemos observar o entrincheiramento das elites globais dominantes em palácios imateriais feitos de redes de comunicação e fluxos de informação. Enquanto isso, as pessoas teriam sua experiência confinada a múltiplos locais segregados, sua existência subjugada e sua consciência fragmentada. Sem nenhum Palácio de Inverno para ser tomado, focos de revolta poderão eclodir, transformados em insensata violência diária.
A reconstrução das instituições da sociedade pelos movimentos sociais culturais, colocando a tecnologia sob oi controle das necessidades e desejos das pessoas, parece requerer um longo caminho a partir das comunas construídas com base na identidade de resistência até o auge de identidades de novos projetos nascidos dos valores acalentados nessas comunas.
Estes são exemplos de tais processos observados nos movimentos sociais e na política contemporânea: constituição de famílias novas e igualitárias; aceitação generalizada do conceito de desenvolvimento sustentado que insere a solidariedade integracional no novo modelo de crescimento econômico; e mobilização universal em defesa dos direitos humanos onde quer que seja necessário. Para que essa transição da identidade de projeto se realizada, será preciso surgir uma nova política. Será uma política cultural partindo da premissa de que a política informacional é posta em prática predominantemente no espaço da mídia e luta contra símbolos, embora se ligue a questões e valores nascidos da experiência de vida das pessoas na Era da Informação.

DEPOIS DESTE MILÊNIO

Em todas as páginas deste livro, sustentei uma recusa obstinada a praticar futurologia, mantendo os comentários o mais próximo possível do que sabidamente nos oferece a Era da Informação, da forma em que se constitui neste último lapso de tempo do século XX. Ao concluir este livro, porém, contando com a boa vontade do leitor, gostaria de utilizar apenas alguns parágrafos para comentar certas tendências que poderão configurar a sociedade no início do século XXI. Quando o leitor estiver lendo este trecho, estaremos no máximo a dois anos desse século (ou talvez já nele), de forma que minha análise não se classifica como futurologia. É, ao contrário, uma tentativa de dar dimensão dinâmica em perspectiva a esta síntese de descobertas e hipóteses.
A revolução das rtecnologia da informação acentuará seu potencial transformativo. O sçeulo XXI será marcado pela conclusão da Infovia global, pela telecomunicação móvel e pela capacidade da informática, descentralizando e difundindo o poder da informação, concretizando a promessa da multimídia e aumentando a alegria da comunicação interativa. Além disso, será o século do pleno progresso da revolução genética. Pela primeira vez, nossa espécie penetrará os segredos da vida e conseguirá fazer manipulações substanciais da matéria viva. Embora tudo isso vá desencadear acalorados debates sobre as conseqüências sociais e ambientais dessa capacidade, as possibilidades a nós abertas são verdadeiramente extraordinárias. Usada com prudência, a revolução genética poderá curar, combater a poluição, melhorar a vida e poupar tempo e esforço de sobrevivência de modo a nos dar a oportunidade de explorar a, em grande parte, desconhecida fronteira da espiritualidade. Todavia, se repetirmos os mesmo erros cometidos no século XX, usando a tecnologia e a industrialização para nos massacrarmos em guerras atrozes, é provável que decretemos o fim da vida no planeta com nosso poder tecnológico. Acabou sendo relativamente fácil interromper o holocausto nuclear em razão do controle centralizado da energia e das armas nucleares. Mas as novas tecnologias genéticas são difusas, os impactos da mutação carecem de controle total, e o comando institucional sobre elas é muito mais descentralizado. Para evitar os efeitos maléficos da revolução biológica, precisamos não apenas de governos responsáveis como de uma sociedade instruída e responsável. O caminho a seguir dependerá das instituições da sociedade, dos valores das pessoas e da consciência e determinação dos novos atores sociais ao traçarem e controlarem o próprio destino. Deixe-me fazer uma breve revisão dessas perspectivas, salientando alguns progressos importantes na economia, na constituição política e na cultura.
É provável que o amadurecimento da economia informacional e a difusão e uso adequado da tecnologia da informação como sistema liberem o potencial de produtividade dessa revolução tecnológica. O fato será notado por meio de mudanças na contabilidade estatística quando as categorias e procedimentos do século XX, já manifestamente inadequados, forem substituídos por novos conceitos capazes de mensurar a nova economia. Sem sombra de dúvida, o século XXI testemunhará o desenvolvimento de um sistema produtivo extraordinário pelos padrões históricos, o ser humano produzirá mais e melhor com esforço muito menor. O trabalho mental substituirá o esforço físico na maior parte dos setores produtivos da economia. Contudo, o compartilhamento dessa riqueza dependerá, para os indivíduos, do acesso à educação e, para a sociedade em geral, da organização social, da política e das políticas, ou seja, dos planos de ação.
A economia global expandir-se-á no século XXI, utilizando-se de progressos substanciais em telecomunicações e informática. Penetrará todos os países, todos os territórios, todas as culturas, todos os fluxos de comunicação e todas as redes financeiras em uma exploração contínua do planeta à procura de novas oportunidades de geração de lucros. Entretanto essa tarefa será seletiva, conectando segmentos valiosos e descartando locais e pessoas inúteis e não-pertinentes. A irregularidade territorial da produção resultará uma geografia extraordinária de realização de valor diferencial que mostrará profundos contrastes entre paises, regiões e áreas metropolitanas. Locais e pessoas valiosos serão encontrados em todos os lugares, até na África subsariana, como afirmei neste volume. Mas territórios e pessoas desconectadas também serão encontrado em todos os lugares, embora em proporções diversas. O planeta está sendo segmentado em espaços claramente distintos, definidos por diferentes sistemas temporais.
Duas reações distintas poderão ser esperadas dos segmentos excluídos da humanidade. Por um lado, haverá profundo aumento na operação do que chamo de "conexão perversa", ou seja, a prática do jogo do capitalismo global com regras diferentes. A economia do crime global, cujo perfil e dinâmica tentei identificar no capítulo 3 deste volume, será característica fundamental do século XXI, e sua influência econômica, política e cultural penetrará todas as esferas da vida. A questão não é se nossas sociedades conseguirão eliminar as redes do crime, ao contrário, se as redes do crime não acabarão controlando uma fatia substancial de nossa economia, de nossas instituições e de nossa vida diária.
Há outra reação contra a exclusão social e a não-pertinência econômica que, ao meu ver, desempenhará papel fundamental no século XXI; a exclusão dos que excluem pelos excluídos. Como o mundo inteiro está (e estará cada vez mais) interligado nas estruturas básicas da vida sob a lógica da sociedade em rede, a não-adesão de pessoas e de países não representará uma saída pacífica.
Assume (e assumirá) a forma de afirmação fundamentalista de um conjunto alternativo de valores e princípios de vida, segundo os quais não há nenhuma possibilidade de coexistência com o sistema maléfico que prejudica a vida das pessoas. Como afirmei, nas ruas de Cabul os corajosos guerreiros do Taliban surram mulheres por estarem vestidas de forma imprópria. Essa atitude não combina com os ensinamentos humanísticos do Islã. No entanto, conforme analisado no volume II, há uma explosão de movimentos fundamentalistas que pegam o Alcorão, a Bíblia ou qualquer outro texto sagrado para interpreta-lo e usá-lo como estandarte de seu desespero e arma de sua fúria. Fundamentalismos de diferentes tipos e de fontes representarão o desafio mais ousado e intransigente ao domínio unilateral do capitalismo global informacional. O acesso potencial de grupos fundamentalistas a armas de destruição em massa obscurece profundamente as perspectivas otimistas da Era da Informação.
Os Estados-nação sobreviverão, mas não sua soberania. Eles se unirão em redes multilaterais com geometria variável de compromissos, responsabilidades, alianças e subordinações. A construção multilateral mais notável será a União Européia, reunindo os recursos tecnológicos e econômicos da maioria dos países europeus, porém não de todos. É provável que a Rússia seja deixada de fora, em razão dos temores históricos do Ocidente, e a Suíça precisa ficar de fora para manter o papel de banqueiro mundial. Mas a União Européia por enquanto não incorpora o projeto histórico de construção de uma sociedade européia. É essencialmente uma construção defensiva em nome da civilização européia para evitar tornar-se colônia econômica de asiáticos e norte-americanos. Os Estados-nação europeus continuarão a existir e a negociar de acordo com seus interesses individuais dentro da estrutura das instituições européias das quais eles precisarão, mas para com as quais, apesar da retórica federalista, nem os europeus, nem seus governos nutrirão carinho. O hino extra-oficial da União Européia ("Ode à Alegria", de Beethoven) é universal, porém seu sotaque alemão poderá tornar-se mais marcante.
A economia global será regida por um conjunto de instituições multilaterais ligadas entre si por um sistema de redes. O principal componente dessa rede é o clube dos países do G7, talvez com alguns membros adicionais e seus braços executivos, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, encarregados da regulamentação e intervenção em nome das regras básicas do capitalismo global. Tecnocratas e burocratas dessas e de instituições econômicas internacionais similares acrescentarão sua dose de ideologia neoliberal e de especialização profissional na implementação de seu amplo mandato. Encontros informais como os realizados em Davos ou equivalentes ajudarão a criar os vínculos culturais/ pessoais da elite global.
A geopolítica global também será administrada pelo multilateralismo, com as Nações Unidas e as instituições regionais internacionais. Associação das Nações do Sudeste Asiático (sigla em inglês ASEAN). OEA ou Organização da Unidade Africana (sigla em inglês OAU), desempenhando um papel cada vez mais importante na administração dos conflitos internacionais ou até mesmo nacionais. Elas tenderão a aumentar o uso de alianças para a segurança, como a OTAN, na implementação de suas decisões. Quando necessário, serão criadas forças policiais internacionais ad hoc para intervir nos lugares com problemas. Por exemplo, em meados do segundo semestre de 1996, a administração Clinton propôs a vários países africanos e à OAU a criação de uma força africana para intervenção rápida, ligada à ONU, armada e treinada pelos EUA e financiada pelos EUA, União Européia e Japão. A proposta não vingou, mas poderá ser o modelo característico dos futuros exércitos internacionais, prontos para manter a paz das redes globais e de seus eleitorados e/ou evitar genocídios do tipo ocorrido em Ruanda. É nesse duplo papel de intervenção internacional que reside a ambigüidade do multilateralismo.
É provável que os problemas globais de segurança sejam influenciados por três questões principais, caso a análise desenvolvida nesta trilogia venha a ser comprovada. A primeira é a crescente tensão na região do Pacífico, à medida que a China afirma seu poderio global, o Japão entra em outra rodada de paranóia, e a Coréia, a Indonésia e a Índia reagem a ambos.
A segunda é o ressurgimento do poder russo, não apenas como superpotência nuclear, mas como nação fortalecida que não tolera humilhações. As condições em que a Rússia pós-comunista será, ou não, conduzida ao sistema multilateral da gestão global determinarão a futura geometria dos alinhamentos relativos à segurança. É provável que a terceira questão de segurança seja a mais decisiva de todas e condicione a segurança para o mundo em geral por longo período de tempo. Refere-se às novas formas de conflitos que serão usadas por indivíduos, organizações e Estados de fortes convicções e parcos recursos militares, mas capazes de obter acesso às novas tecnologias de destruição, bem como de encontrar os pontos vulneráveis de nossas sociedades. Gangues criminosas também poderão recorre à confirmação intensa quando não virem outra opção, como ocorreu na Colômbia na década de 90. O terrorista global ou local já é considerado grande ameaça em todo o mundo neste fim de milênio. Mas, em minha opinião, isso é só o começo. A crescente sofisticação tecnológica leva a duas tendências convergentes para o terror total: por um lado, um pequeno grupo resoluto, bem financiado e bem informado poderá devastar cidades inteiras ou atacar centros nervosos de nossa existência; por outro, a ínfra-estrutura de nossa vida diária – de energia a transportes e o fornecimento de água – ficou tão complexa e interligada, que sua vulerabilidade aumentou de forma exponencial. Embora melhorem os sistemas de segurança, as novas tecnologias também promovem uma exposição maior de nossa vida diária. O preço do aumento da proteção será conviver com sistemas de travas eletrônicas, alarmes e patrulhas policiais on-line. Além disso, significará crescer com medo. É provável que não difira da experiência da maior parte das crianças na história. Trata-se também de uma medida da relatividade do progresso humano.
A geopolítica também será dominada cada vez mais por uma contradição fundamental entre o multilateralismo do processo decisório e o unilateralismo da implementação militar dessas decisões. Isso porque, após o fim da União Soviética e com o atraso tecnológico da nova Rússia, os Estados Unidos são (e serão no futuro previsível) a única superpotência militar. Portanto, a maioria das decisões sobre segurança terão de ser implementadas ou apoiadas pelos EUA para entrarem mesmo em vigor ou ganharem credibilidade. A União Européia, apesar de toda sua retórica arrogante, deu uma clara demonstração de incapacidade operacional na má condução da absurda e atroz guerra da Bósnia, que teve de ser interrompida e resolvida de forma provisória em Dayton, Ohio.
A Constituição da Alemanha proíbe o país de enviar forças de combate para o exterior, e duvido que seus cidadãos tolerem qualquer mudança ainda por muito tempo, o Japão proibiu a si mesmo de constituir um exército, e o sentimento pacifista do país é mais profundo que o apoio a provocações ultranacionalistas. Fora da OCDE, apenas a China e a Índia terão condições de deter um poderio tecnológico e militar suficiente para transformar-se em potência global no futuro previsível, mas com certeza não o suficiente para se equiparar aos Estados Unidos ou mesmo à Rússia. Por conseguinte, à exceção da hipótese improvável de um extraordinário desenvolvimento do setor militar chinês, para o qual a China simplesmente ainda não detém capacidade tecnológica, o mundo fica com uma superpotência, os Estados Unidos. Nessas condições, várias alianças para a segurança terão de contar com as forças norte-americanas. Os Estados Unidos, no entanto, estão enfrentando problemas sociais internos tão profundos, que com certeza não terão os meios nem o apoio político para exercer esse poder, se a segurança de seus cidadãos não estiver sob ameaça direta, como os presidentes norte-americanos descobriram várias vezes na década de 90. esquecida a Guerra Fria e sem nenhum equivalente de uma "nova Guerra Fria" assomando no horizonte, o único modo de os Estados Unidos manterem seu status militar é emprestar suas forças ao sistema de segurança global. E mandar os outros países pagarem a conta. Essa é a característica definitiva do multilateralismo e o exemplo mais surpreendente de perda de soberania do Estado-nação.
O Estado-nação desaparece, porém. É apenas redimensionado na Era da Informação, prolifera sob a forma de governos locais e regionais que se espalham pelo mundo com seus projetos, formam eleitorados e negociam com governos nacionais, empresas multinacionais e órgãos internacionais. A era da globalização da economia também é a era da localização da constituição política. O que os governos locais e regionais não têm em termos de poder e recursos, é compensado pela flexibilidade e atuação em redes. Eles são o único páreo, se é que existe algum, para o dinamismo das redes globais de riqueza e informação.
E as pessoas estão (e estarão) cada vez mais distantes dos corredores do poder e afastadas das instituições falidas da sociedade civil, elas serão individualizadas em termos de trabalho e de vida e constituirão seu significado com base na própria experiência e, se tiverem sorte, reconstruirão a família, sua rocha neste oceano bravio de fluxos desconhecidos e redes incontroladas. Quando forem submetidas a ameaças coletivas, construirão refúgios comunais de onde profetas poderão proclamar a vinda de novos deuses.
O século XXI não será uma era de trevas. E, para a maioria das pessoas, também não trará as recompensas prometidas pela revolução tecnológica mais extraordinária da história. Ao contrário, é provável que seja caracterizada por perplexidade consciente.

O QUE DEVE SER FEITO?

Cada vez que um intelectual tenta tratar dessa questão e elaborar uma resposta séria, segue-se uma catástrofe. Foi o que aconteceu, sobretudo a um certo Ulianov em 1902. Com certeza, não pretendo fazer o mesmo e, portanto, abster-me-ei de sugerir qualquer cura para os males de nosso mundo. Mas, como de fato estou preocupado com o que observei ao longo da jornada pelo cenário inicial da Era da Informação, gostaria de explicar minha abstenção, escrevendo na primeira pessoa, porém pensando em minha geração e cultura política.
Venho de uma época e de uma tradição - esquerda política da era industrial - obcecada pela epígrafe no túmulo de Marx em Highgate, sua (e de Engel) décima primeira tese sobre Feuebach. A ação política transformadora era o objetivo final de um esforço intelectual verdadeiramente significativo. Ainda acredito que haja generosidade considerável nessa atitude, com certeza menos egoísta que a busca ordeira por carreiras acadêmicas burocráticas não afetadas pelos labores das pessoas em todo o mundo. E, em linhas gerais, não acho que a classificação entre intelectuais e cientistas sociais de direita e de esquerda resultasse diferenças significativas na qualidade acadêmica dos dois grupos. Afinal de contas, os intelectuais conservadores também desenvolvem ação política tanto quanto os esquerdistas, muitas vezes com pouca tolerância em relação a seus adversários. Portanto, a questão n!o é que o compromisso político impeça ou deturpe a criatividade intelectual. Com o passar dos anos, muitos de nós aprendemos a conviver com a tensão e a contradição entre o que constatamos e o que gostaríamos que acontecesse. Considero a ação social e os projetos políticos essenciais para a melhoria de uma sociedade que, de fato, precise de mudança e esperança. E espero que este livro, ao suscitar algumas questões e oferecer elementos empíricos e teóricos para abordá-las, possa contribuir para uma ação consciente em busca de transformação social. Nesse sentido, não sou e não quero ser um observador neutro desligado do drama humano.
Contudo, já vi tanto sacrifício malconduzido, tantos impasses causados por ideologia e tantos horrores provocados por paraísos artificiais de política dogmática, que desejo exprimir uma reação salutar contra a tentativa de conceber a prática política de acordo com a teoria social ou a esse respeito, com a ideologia. Teoria e pesquisa em geral e também neste livro, devem ser consideradas meios para o entendimento de nosso mundo e ser julgadas exclusivamente com base em sua exatidão, rigor e pertinência. O modo de utilização dessas ferramentas e os objetivos de seu uso devem ser prerrogativa exclusiva dos próprios atores sociais em contextos sociais específicos e em nome de seus valores e interesses. Basta de metapolítica, basta de “maítres à penser´ e basta de intelectuais com tal pretensão. A liberação política mais fundamental é aquela em que as pessoas se libertam da adesão não-crítica a sistemas teóricos ou ideológicos, constroem sua prática com base na própria experiência, utilizando quaisquer informações ou análises disponíveis, extraídas de várias fontes. No século XX, filósofos estão tentando mudar o mundo. No século XXI, chegará a hora de eles interpretarem o mundo de forma diferente. Daí, minha circunspecção, não indiferença, sobre um mundo conturbado pela própria promessa.

FINAL

A promessa da Era da Informação representa o desencadeamento de uma capacidade produtiva jamais vista, mediante o poder da mente. Penso, logo produzo. Com isso, teremos tempo disponível para fazer experiência com a espiritualidade e oportunidade de harmonização com a natureza sem sacrificar o bem-estar material de nossos filhos. O sonho do Iluminismo está ao nosso alcance. Todavia, há enorme defasagem entre nosso excesso de desenvolvimento tecnológico e subdesenvolvimento social. nossa economia, sociedade e cultura são construídas com base em interesses, valores, instituições e sistemas de representação que, em termos gerais, limita, a criatividade coletiva, confiscam a colheita da tecnologia da informação e desviam nossa energia para o confronto autodestrutivo. Esta situação não é definitiva. Não há mal eterno na natureza humana. Não existe nada que não possa ser mudado por ação social consciente e internacional, munida de informação e apoiada em legitimidade. Se as pessoas forem esclarecidas, atuantes e se comunicarem em todo o mundo; se as empresas assumirem sua responsabilidade social; se os meios de comunicação se tornarem os mensageiros, e não a mensagem,; se os atores políticos reagirem contra a descrença e restaurarem a fé na democracia; se a cultura for reconstruída a partir da experiência; se a humanidade sentir a solidariedade da espécie em todo o globo; se consolidarmos a solidariedade Intergeracional, vivendo em harmonia com a natureza com a natureza; se partirmos para a exploração de nosso ser interior, tendo feito as pazes com nós mesmos. Se tudo isso for possibilitado por nossa decisão bem informada, consciente e compartilhada enquanto ainda há tempo, então, talvez, finalmente possamos ser capazes de viver, amar e ser amados.
Esgotei as palavras. Portanto, pela última vez, tomarei emprestadas as de Pablo Neruda:

Por mi parte y tu parte, cumplimos,
Comprtimos esperanzas e
Inviernos;

Y fuimos heridos no solo por los
Enemigos mortales

Sino por mortales amigos (y esto
Pareció más amargo),

Pero no me parece más dulce
Mi pan o mi libro
Entretanto;

Agregamos viviendo la cifra que
Falta al dolor,

Y seguimos amando el amor y com
Nuestra directa conducta

Enterramos a los mentirosos y
Vivimos com los verdadeiros3

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