sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A Sociedade em Rede e a Cibercultura: dialogando com o pensamento de Manuel Castells e de Pierre Lévy na era das novas tecnologias de comunicação

Por Isabella de Araújo Garcia Simões
* Mestre em Sociologia pela UFPB (2007); graduada em Comunicação Social, na habilitação de Jornalismo,pela mesma instituição. E-mail: isabellaag@gmail.com

Resumo

Este artigo propõe realizar um diálogo/confronto entre dois analistas das novas tecnologias de comunicação, Manuel Castells e Pierre Lévy, a partir de um estudo exploratório das obras produzidas pelos pesquisadores. A Internet é a base estruturante de todos os conceitos e de novas relações que compõem a sociedade em rede ou a cibercultura.
Procuramos apontar as principais ideias que estão relacionadas ao tema e como o processo de comunicação recebe essas mudanças que interferem no pensamento humano, na
sociedade, que culmina numa nova cultura.

Introdução

A Era da Informação, de maneira geral, constitui o novo momento histórico em que
a base de todas as relações se estabelece através da informação e da sua capacidade de processamento e de geração de conhecimentos. A este fenômeno Castells (1999) denomina “sociedade em rede”, que tem como lastro revolucionário a apropriação da Internet com seus usos e aspectos incorporados pelo sistema capitalista.
A sociedade em rede também é analisada por Lévy (1999) sob o codinome de
“cibercultura”, sendo, pois, este novo espaço de interações propiciado pela realidade
virtual (criada a partir de uma cultura informática). Ao explicar o virtual, a cultura cibernética, em que as pessoas experienciam uma nova relação espaço-tempo, Lévy (1998) utiliza a mesma analogia da “rede” para indicar a formação de uma “inteligência coletiva”.
Muito embora a linha de análise dos autores abordados siga caminhos díspares,
sendo Castells com uma abordagem marxista da sociedade capitalista e Lévy com um
pensamento antropológico, há um aspecto que não pode ser recusado na intersecção dos
autores acerca dos estudos das tecnologias de comunicação, que nos leva a uma conclusão primordial: não é possível mais ignorar o impacto dessas tecnologias à vida humana, muito menos à vida em sociedade.
A possibilidade de participação e a exclusão do universo digital, integrando-se ao
processamento de dados e à geração de conhecimentos, ou mesmo estando à margem dessa
dinâmica, afeta, sobretudo, a relação humana em que a comunicação se faz atuante,
perpassando os aspectos antropológico, social e mesmo filosófico.
São linguagens, usos, percepções sensoriais, novas identidades formadas e trocas
simbólicas que estão emaranhadas em rede, que não descarta nem mesmo o aspecto
econômico dentro dessas novas relações. Do ponto de vista da economia, a rede trouxe
mudanças profundas à sociedade, redefinindo as categorizações de Divisão Internacional do Trabalho (DIT) entre os países e as economias.
Mas, afinal de contas, as tecnologias de comunicação estão a serviço de que, ou de
quem? Que mudanças são trazidas por essas tecnologias à vida do homem e à sociedade?
O que desencadeou todo esse processo? E mais: o que pode ser apreendido dessa relação
humana mediada por máquinas?
Para responder a estas perguntas, nos propomos a utilizar, neste artigo, as obras de
dois grandes pensadores da Era da Informação: Manuel Castells e Pierre Lévy, trazendo à tona a contribuição e as elucidações sobre os assuntos tratados, quer seja do ponto de vista do homem, que seja do ponto de vista da sociedade.
Este artigo está dividido em três partes, sendo o primeiro tópico uma abordagem
das tecnologias de comunicação e da rede, com uma alusão específica ao surgimento
computador e da cultura informática.
No segundo item realizamos um levantamento sócio-econômico da rede, dentro da
lógica de reformulação do sistema capitalista que se deu na década de 70 no século
passado, interpondo a abordagem utilitarista exposta por Castells (1999) e a dimensão
subjetiva explorada por Lévy (1998) na formação de uma inteligência coletiva.
Por fim, indicamos as mudanças trazidas pelas tecnologias de comunicação, dentro
das concepções dos autores sobre o novo processo comunicativo que se desvela na
sociedade em rede ou na cibercultura.

As tecnologias de comunicação e a rede

Desde que o computador foi criado em 1945, nos Estados Unidos da América e na
Inglaterra, as inovações e reformulações desse suporte e sistema de processamento de
dados não param de ser ampliadas a partir das criações humanas. Lévy aborda essa cultura informática em várias obras, entre as quais “A Máquina Universo” (1998), na qual aponta o computador como uma nova ferramenta de experiência e de pensamento:
A mediação digital remodela certas atividades cognitivas fundamentais
que envolvem a linguagem, a sensibilidade, o conhecimento e a imaginação inventiva. A escrita, a leitura, a escuta, o jogo e a composição musical, a visão e a elaboração das imagens, a concepção, a perícia, o ensino e o aprendizado, reestruturados por dispositivos técnicos inéditos, estão ingressando em novas configurações sociais.

Essa engenharia informática está presente em praticamente todos os campos das
atividades humanas, compondo o que Lévy denomina de tecnologia intelectual. Ao longo
de todos os momentos históricos, o homem foi desenvolvendo técnicas que o auxiliaram a construir seus mecanismos de atuação sobre a realidade. Em outras palavras, as técnicas são também maneiras de produzir conhecimento.
Na medida em que a informática processa e difunde a informação com uma gama
de interfaces, projeta a ideia de que o real não possui mais precedentes, adquirindo, assim, um aspecto transcendental:
Os sistemas de processamento da informação efetuam a mediação prática de nossas interações com o universo. Tanto óculos como espetáculo, nova pele que rege nossas relações com o ambiente, a vasta rede de processamento e circulação da informação que brota e se ramifica a cada dia esboça pouco a pouco a figura de um real sem
precedente. É essa a dimensão transcendental da informática.
Isto é possível a partir de certas características que o meio propala através da
simulação, abstração e interação. Os mecanismos de interligação de dados se estabelecem a partir da hipertextualidade, ou seja, através de uma leitura não-linear. E embora saibamos que o universo digital é composto por qualquer sistema organizado por dígitos binários, é a partir da Internet, com os dispositivos de transferência de arquivos, correio eletrônico, fóruns de discussão e, principalmente, com a World Wide Web, que todas essas experiências são potencialmente vivenciadas.
“A galáxia da Internet” é analisada por Castells (2003) com as imbricações aos
negócios e à sociedade. Todo esse processo de instauração da Internet ocorre na década de 70 e culmina com a abertura comercial na década de 90, o que, na visão do autor, faz parte de uma necessidade de reformulação do sistema capitalista, que se deu nesta época.
Mas, assim como Lévy, o autor Castells aponta o dilema do determinismo
tecnológico como um aspecto que deve ser refutado, uma vez que “a tecnologia é a
sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas
tecnológicas.” (CASTELLS, 1999, p.43).
Diante do cenário da rede, Castells (2003, p.34-55) aponta a existência de uma
cultura própria da Internet, que foi fomentada a partir da conjunção de outras quatro
culturas: a tecnomeritocrática, a hacker, a comunitária virtual e a empreendedora.
De uma forma geral, a cultura tecnomeritocrática diz respeito à elite científica que
foi responsável pelo desenvolvimento da tecnologia informática. E o grande ideal da
cultura tecnomeritocrática é a crença no progresso humano através da incorporação da
tecnologia.
Por sua vez, a cultura hacker foi outro grupo que deu impulso ao crescimento da
Internet. Neste caso, o hacker tem uma concepção diferenciada da que vulgarmente se
associa ao “pirata da Internet”, correspondendo aos grupos de programadores que foram
responsáveis pelas inovações tecnológicas do meio.
A cultura comunitária virtual é formada por todas as pessoas que utilizam a rede e
que conhecem em maior ou em menor grau seus recursos em termos de linguagem e de
domínio de programações. É nesse espaço da cultura comunitária que as pessoas
experienciam as potencialidades do meio, em termos de percepção e de interação.
Por fim, a cultura empreendedora também integra a cultura da Internet, composta
pelos capitalistas de alto risco que incorporaram o meio como instrumento de geração de riquezas.
Mas o fato é que a Internet representa o sistema hipertextual pensado pelos
primeiros cientistas da computação, como Vanevar Bush e Ted Nelson, que associaram a
dinâmica não-linear à forma como o pensamento humano é executado, sendo o meio uma
possibilidade de formação de uma biblioteca universal de informações interligadas por essa hipertextualidade.

Assim como a computação, a Internet é uma criação americana, que surgiu durante
a Guerra Fria, por volta de 1969, sob o nome de Arpanet. Tratava-se de um sistema
utilizado pelo Departamento de Defesa Americano, que depois se estendeu à universidades e centros de pesquisa, para posteriormente ter o uso irrestrito. A Internet no formato em que conhecemos, com os sistemas HTTP, WWW e linguagem HTML, emergiu em 1991, sendo uma criação do cientista Tim Berners-Lee.
Portanto, sedimentação social da Internet é a base da sociedade em rede, conforme
indica Castells. Mas a Internet deve ser compreendida como uma rede que congrega
diversos grupos de redes. E essas redes não são apenas de computadores, mas também de
pessoas e de informação.
Dentro da mesma lógica da rede, essa congregação forma uma nova cultura que
Lévy denomina de cultura do ciberespaço, ou “cibercultura”:
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O
termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação
digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga,
assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.
Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999, p.17).

Aspectos sócio-econômicos da rede

A partir deste tópico nos propomos a abordar o contexto sócio-econômico que
fomentou todo esse processo capaz de estabelecer novas dinâmicas, desde ao pensamento
humano até as relações institucionais. Afinal de contas, de que sociedade estamos
tratando? Que sociedade é essa que estabelece um novo modo de ser e de agir em rede?
Como isso está sendo possibilitado?
Essas questões são tratadas por Castells em seu minucioso estudo acerca das
sociedades capitalistas, com enfoque à Europa, EUA, Ásia e América Latina, em que o
autor observa a capacidade que essas localidades possuem de se integrar à lógica da
sociedade em rede, ou não: Ela originou-se e difundiu-se, não por acaso, em um período histórico da reestruturação global do capitalismo, para o qual foi uma ferramenta básica. Portanto, a nova sociedade emergente desse processo de
transformação é capitalista e também informacional, embora apresente
variação histórica considerável nos diferentes países, conforme sua
história, cultura, instituições e relação específica com o capitalismo
global e a tecnologia informacional. (CASTELLS, 1999, p.50).
Muito embora haja uma certa especificidade da apropriação dessa nova lógica do
processo capitalista, existem algumas características gerais que acompanham as sociedades tratadas no que diz respeito às mudanças sociais da época da incorporação da rede.
Entre os principais pontos que demarcam o momento histórico das sociedades estão
a firmação das relações através do indivíduo, gerando mudanças nas relações de trabalho, com a perda da força dos sindicatos, em que no trabalho a flexibilização das relações é negociada com o próprio indivíduo; crise do patriarcalismo, surgimento de movimentos feministas, imersão da mulher no mercado de trabalho; desintegração da família nuclear tradicional; novos modelos de urbanização; desconexão entre megacidades e microlugares; e crise da legitimidade política. (CASTELLS, 1999, p.39-41).
Em termos gerais, esse é o quadro que pode ser encontrado nas sociedades
analisadas pelo autor. O fato é que a partir da década de 70, a informação e o
conhecimento adquirem uma nova projeção social e econômica, na medida em que dentro
de uma lógica de geração, processamento e transmissão da informação, as inovações e o
conhecimento são a marca da sociedade e da economia.
Castells faz uma diferenciação entre “informação” e “informacionalismo”, sendo
para ele a questão da informação um elemento inerente a todas as sociedades em qualquer modo-de-produção vivenciado, ou seja, a informação sempre exerceu um papel importante na composição sócio-econômica. Entretanto, na sociedade em rede, a informação passa a ser uma força produtiva direta dentro do processo capitalista, o que para o autor caracteriza o informacionalismo:
O termo sociedade da informação enfatiza o papel da informação na
sociedade. Mas afirmo que informação, em seu sentido mais amplo, por
exemplo, como comunicação de conhecimentos, foi crucial a todas as
sociedades, inclusive à Europa medieval que era culturalmente
estruturada e, até certo ponto, unificada pelo escolasticismo, ou seja, no
geral uma infra-estrutura intelectual (ver Southern, 1995). Ao contrário,
o termo informacional indica o atributo de uma forma específica de
organização social em que a geração, o processamento e a transmissão
da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e
poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período
histórico. (CASTELLS, 1999, p.64-65).
Ano V, n. 05 – Maio/2009
Há uma tendência de cada vez mais as sociedades informacionais estabelecerem
relações com outras sociedades informacionais, gerando um processo de exclusão daqueles que não estiverem circunscritos nessa lógica. Isso se deve a um conjunto de fatores, como a produtividade, a inovação tecnológica, a criação de redes e a globalização, o que influencia os índices sócio-econômicos de determinada localidade:
A nova economia afeta a tudo e a todos, mas é inclusiva e exclusiva ao
mesmo tempo; os limites da inclusão variam em todas as sociedades,
dependendo das instituições, das políticas e dos regulamentos. Por outro
lado, a volatilidade financeira sistêmica traz consigo a possibilidade de
repetidas crises financeiras com efeitos devastadores nas economias e
nas sociedades. (CASTELLS, 1999, p. 203).
Muito embora a cultura da Internet tenha sido apontada pela influência e formação
das culturas tecnomeritocrática, hacker, comunidades virtuais e empreendedoras, Castells vai indicar que o maior propagador da rede é o Estado, na medida em que atua enquanto força incentivadora impulsionando a competitividade das empresas, demandando em produtividade e lucratividade.
Esses três elementos, competitividade, produtividade e lucratividade são
distribuídos de maneira que ao Estado cabe garantir a competitividade dos mercados,
ficando as empresas responsáveis pelos sistemas de produtividade e lucratividade. A
economia se torna interdependente, assimétrica e diversificada de acordo com as
características das localidades.
Há, pois, uma nova Divisão Internacional do Trabalho (DIT), que subdivide-se
entre os produtores de alto valor que mantem seus negócios com base na lógica
informacional; produtores de grande volume e com trabalho de menor custo; produtores de matérias-primas que se baseiam nos recursos naturais; e os produtores cujo trabalho perde valor nesse sistema.
A nova DIT deve ser pensada a partir do papel que a informação exerce,
influenciando ou atuando diretamente dentro do processo produtivo. A possibilidade do
consumo inovador é algo que traz volatilidade ao mercado; por sua vez, as decisões
tomadas no âmbito da rede adquirem uma dimensão bastante palpável no que diz respeito
às consequências das medidas tomadas, que geram uma imprevisibilidade do mercado.
Na e-economia, o trabalhador passa a ser um e-learning, acumulando espírito de
iniciativa, autonomia, responsabilidade e talento para os negócios eletrônicos. O grande ponto que Castells vai colocar a respeito do e-learning e da sociedade em rede talvez seja o maior contraponto ao pensamento de Lévy) é o aspecto utilitarista que o indivíduo, no caso o trabalhador, adquire, que estaria acima dos aspectos cultural, social ou político, algo que se reflete também sobre o sistema educacional.
O aspecto econômico da rede, embora não seja o foco central da abordagem de
Lévy, também é apresentado pelo autor na medida em que aponta o saber como infraestrutura de atuação das “redes de inovação”, capitaneada pelas empresas e indústrias.
Também o capitalismo é apresentado como o sistema produtivo que absorveu a lógica da
rede, que o autor desenvolve com a concepção de inteligência coletiva, algo que para Lévy é impossibilitado de suceder nas economias planificadas.
E o papel do sujeito trabalhador segue uma lógica similar à apresentada em
Castells:
Doravante não basta mais identificar-se passivamente com uma
categoria, uma profissão, uma comunidade de trabalho; é necessário
ainda engajar a singularidade, a própria identidade pessoal na vida
profissional. É precisamente essa dupla mobilização subjetiva, bastante
individual, de um lado, mas ética e cooperativa, de outro, que o universo
burocrático e totalitário era incapaz de suscitar. (LÉVY, 1998, p.21).
No caso, o que o Lévy vai afirmar é que é preciso observar esses engajamentos
subjetivos para além dos imperativos econômicos:
Uma vez que um verdadeiro engajamento subjetivo é requerido dos
atores humanos, as finalidades econômicas devem remeter ao político,
no sentido amplo, ou seja, à ética e à vida da cidade. Devem fazer eco,
igualmente, a significações culturais. (...) A empresa não é só
consumidora e produtora de bens e de serviços, como quer o enfoque
econômico clássico. Não se contenta em aplicar, elaborar, distribuir
savoir-faire e conhecimento, como mostra a nova abordagem cognitiva
das organizações. Deve-se reconhecer, além disso, que a empresa, com
outras instituições, acolhe e constrói subjetividades. (LÉVY, 1998,
p.21).
A inteligência coletiva, a partir dos pressupostos da cultura informática e do novo
sistema cognitivo humano, emerge dentro desse contexto de cibercultura, em que a
inteligência não é mais fixa ou automatizada, mas reformulada e estabelecida em tempo
real, constituindo um grande cérebro global: “É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.” (LÉVY, 1998, p.28).
Os aspectos da inteligência coletiva, que levam em consideração a análise
antropológica da formação das redes, bem como os aspectos imbricados à vida social de
que estamos tratando, serão desenvolvidos a seguir, a partir do viés da experiência firmada com as tecnologias de comunicação.

O processo comunicativo

As abordagens de Castells e Lévy apontam como similaridades as inovações
trazidas pela Internet, o que firmou a constituição da rede, projetando novas experiências ao homem e à sociedade. No entanto, se para Castells há um aspecto utilitarista da apropriação da dinâmica da rede, em Lévy essa observação não se faz presente, na medida em que o meio está por constituir a inteligência coletiva, onde a subjetividade adquire um caráter especial no jogo das relações, sendo eliminado o aspecto do poder: O projeto da inteligência coletiva supõe o abandono da perspectiva
do poder. Ele quer abrir o vazio central, o poço de clareza que permite o jogo com a alteridade, a quimerização e a complexidade labiríntica. (LÉVY 1998, 211-212).
O aspecto principal que deve ser observado, no que diz respeito à comunicação, é a
mediação que ao mesmo tempo é interativa e massiva, ou na lógica indicada por Lévy,
avançando ao longo dos modelos UM-TODOS, UM-UM, para TODOS-TODOS.
Castells (1999, p.413) aponta a existência de uma cultura da virtualidade real, que
ocorre através da integração das novas tecnologias com a comunicação eletrônica, a
eliminação de uma audiência de massa e o surgimento das redes interativas. O aspecto
multimídia das novas tecnologias transforma as experiências humanas de percepção e
criação simbólica:
“Nossos meios de comunicação são nossas metáforas Nossas metáforas
criam o conteúdo da nossa cultura”. Como a cultura é mediada e
determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos
sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos são
transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e
o serão ainda mais com o passar do tempo. (CASTELLS, 1999, p.414).
O caráter da comunicação é outro, pois a rede global se constitui enquanto sistema
aberto. A comunicação é um elemento que molda a cultura, porque é através da
comunicação que a vida em sociedade se faz possível, nas suas diversas manifestações,
constituindo o sistema de valores e de símbolos. E esse sistema de valores e símbolos
recebe uma influência do sistema tecnológico:
Ano V, n. 05 – Maio/2009
É precisamente devido a sua diversificação, multimodalidade e
versatilidade que o novo sistema de comunicação é capaz de abarcar e
integrar todas as formas de expressão, bem como a diversidade de
interesses, valores e imaginações, inclusive a expressão de conflitos
sociais. (CASTELLS, 1999, p.461).
São novas sociabilidades e relações com espaço e tempo que demarcam a vida
contemporânea. Nesse ínterim, o indivíduo tem adiante novos mecanismos de interação e
de composição de uma identidade própria e múltipla, formação de grupos ou tribos, um
novo espaço-tempo a ser experienciado, em que o espaço físico é praticamente eliminado e o tempo acelerado, a fusão homem-máquina, constituindo o “cyborg”.
A idéia de centralidade do processo de emissão-recepção também sofre profundas
mudanças na cultura do ciberespaço, conforme apresenta Lévy:
O computador não é mais um centro, e sim um nó, um terminal, um
componente da rede universal calculante. Suas funções pulverizadas
infiltram cada elemento do tecno-cosmos. No limite, há apenas um único
computador, mas é impossível traçar seus limites, definir seu contorno.
É um computador cujo centro está em toda parte e a circunferência em
lugar algum, um computador hipertextual, disperso, vivo, fervilhante,
inacabado: o ciberespaço em si. (LÉVY, 1999, p.44).
Para Lévy, o exercício democrático passa pela apropriação social do fenômeno
técnico. A inteligência coletiva é uma proposta da cibercultura que dispõe ao usuário, ou ao indivíduo, a participação, a socialização, a descompartimentalização e a emancipação, sendo um indicativo ao modelo desestabilizante e excludente da mutação técnica:
Novo pharmakon, a inteligência coletiva que favorece a cibercultura é ao
mesmo tempo um veneno para aqueles que dela não participam (e
ninguém pode participar completamente dela, de tão vasta e multiforme
que é) e um remédio para aqueles que mergulham em seus turbilhões e
conseguem controlar a própria deriva no meio de suas correntes. (LÉVY,
1999, p.30).
Ao apontar três momentos de experiências com tecnologias de comunicação (as
galáxias de Gutemberg, de Macluhan e da Internet), Castells classifica a galáxia da

Internet

enquanto constituição de um espaço democrático em termos de comunicação, na medida
em que o meio é aberto à pluralidade e ao amplo acesso, ainda que as questões da
desigualdade estejam refletidas na rede.
A galáxia de Gutemberg caracteriza o homem tipográfico, com percepção mais
analítica e objetiva; a galáxia de Macluhan, representa a consolidação da televisão
enquanto veículo de comunicação de massa que quebra com a estrutura do homem
tipográfico. Na galáxia da Internet, o grande diferencial ocorre com a possibilidade de interatividade e comunicação personalizada, mesmo que seja um meio de comunicação de massa.
Toda a proposta de análise indicada neste artigo teve como objetivos situar o
momento histórico no qual a informação ocupa uma posição de destaque no sentido de
processamento e geração de conhecimentos. Buscamos apontar alguns dos principais
pontos das relações e dos conceitos que envolvem todo o processo de composição da
sociedade em rede ou da cibercultura.
A Internet, este espaço propiciador da rede, permite a pluralidade e a participação,
ainda que de certa forma neste meio também exista a reprodução de padrões sociais já
existentes. As sociabilidades são firmadas especialmente em laços fracos, as identidades mudam, as fronteiras são quebradas, as incertezas navegam junto com os indivíduos neste oceano, que ao mesmo tempo permite novas experiências com o pensamento e a cognição, em tempo real e em constante processo de ressignificação.

Referências
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999;
______. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003;
LEVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996;
______. As tecnologias da inteligência. São Paulo: Ed. 34, 1997;
______. A inteligência coletiva. São Paulo: Edições Loyola, 1998;
______. A máquina universo. Porto Alegre: ArtMed, 1998;
______. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999;
PELLANDA, Nize Maria Campos; PELLANDA, Eduardo Campos (org.). Ciberespaço: um
hipertexto com Pierre Lévy. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000.

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