terça-feira, 24 de agosto de 2010

RESUMO EXPANDIDO

Uma realidade social historicamente menosprezada pelo Estado e pouco estudada pela sociologia no Sul do País se refere ao pluralismo cultural inscrito nas formas de expressão territorial e identitária manifestado pelas modalidades de uso comum da terra gestadas por distintos grupos étnicos presentes na formação agrária desta região, como no caso em estudo referido aos faxinais e aos recentes processos sociais pela qual a identidade faxinalense é socialmente construída. Delinear o debate no campo intelectual sobre os faxinais para compreender o processo de construção das fronteiras sociais desse grupo e, simbolicamente compreender como se engendram os mecanismos de passagem que conduzem os sujeitos sociais a construírem sua identidade coletiva é a proposta deste artigo.
No caso dos faxinalenses em estudo, a escolha de critérios diferenciados de composição da identidade coletiva se coloca como um novo componente no campo de debates ampliando a definição dessas fronteiras sociais. Tal como o critério étnico – mesmo que a noção de étnico não se atenha a uma língua, laços de sangue ou uma origem comum – construído a partir de mobilizações que expressam formas de agrupamento político em torno de elementos consensoados, como o uso comum da terra; e o critério ecológico, que se refere a forma de apropriação da natureza, isto é, a um território onde o domínio e a gestão comum dos recursos naturais objetivando sua economia em consonância com a conservação da natureza é essencial para sua existência social.
Presentes na Região Sul do País desde o período colonial, os faxinais se apresentam hoje, mediante formas diferenciadas de apropriação comum da terra, que se desdobraram marginalmente ao sistema econômico dominante. Tal modalidade emergiu como estratégia de reprodução social de camponeses que buscam por meio de sua organização social, acesso e manutenção à terra e possibilidades alternativas à repressão da mão-de-obra num cenário atravessado por conflitos sociais. Estabeleceram-se, de modo geral, em regiões periféricas onde a força política dos grupos dominantes encontrava-se fragilizada e enfraquecida. Não obstante, a fim de assegurar o livre acesso aos recursos básicos, defrontaram-se sistematicamente contra o avanço de antagonistas históricos em diferentes tempos, tal como: fazendeiros de gado, ervateiros, madeireiros, durante um período que ultrapassa dois séculos, e mais recentemente a “agricultura moderna”.
Todavia, seu reconhecimento social ganha contornos efetivos enquanto uma existência coletiva, com o surgimento, desde 2005, da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses – APF, cujo um dos principais desafios é mudar a posição social dos faxinalenses em relação aos agentes sociais e agências em um campo de poder atravessado por lutas simbólicas e materiais, onde está em jogo à distribuição do capital simbólico, capital fundamental que convertido em capital político traduz possibilidades de transformação social ao grupo.
Cabe ressaltar, que o interesse em desenvolver este tema, deve-se, sobretudo, ao intuito de provocar reflexões a partir do campo de debates sobre os faxinais, onde incluem-se intelectuais, agentes públicos produtores de interpretações oficiais registradas nos Levantamentos Preliminares sobre os Faxinais, além do próprio movimento faxinalenses que produz com apoio de pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social os denominados fascículos e o seu mapeamento social. A finalidade desta análise é produzir uma revisão critica das classificações que visam significar os faxinais, considerando o conhecimento científico acumulado, bem como as relações que se estruturam face às agências e aos diferentes agentes sociais em disputa no campo social agrário do Paraná relacionados aos faxinalenses. Tal discussão objetiva explicar, portanto, o descompasso entre os esquemas analíticos e interpretativos utilizados para definir os faxinais em oposição a força das realidades localizadas inscritas na trajetória de mobilizações dos faxinalenses, que desde a fundação da APF inaugura um novo padrão de relação política neste campo, concernente a documentos, discursos e atos produzidos pelos faxinalenses.
De outro modo, o que pretendo problematizar por meio do exercício de uma sociologia reflexiva, num primeiro momento é examinar criticamente a regra de formação do objeto intitulado faxinal, partindo da escolha de outro objeto de pesquisa (faxinalenses) para explicar situações referidas aos faxinais que só podem ser compreendidas de modo relacional mediante a ação dos sujeitos sociais que resultam na formação de um campesinato com laços de solidariedade singulares e formas de apropriação dos recursos naturais, consoante características específicas de uso comum definidos por uma identidade coletiva, explicitando uma nova e emergente fase política das lutas sociais agrárias em gestação no Paraná, destacada pelo recorte dado agora à ação dos sujeitos faxinalenses.
Para tanto, se faz necessário amparar-se metodologicamente em uma definição que carregue um significado capaz de incorporar a abrangência das diferentes formas de expressão social referidas aos faxinais observadas pela pesquisa Mapeamento Social dos Faxinais no Paraná (SOUZA, 2009), já que este estudo possibilitou o conhecimento de distintas expressões territoriais e sociais deste grupo. Para melhor compreensão dos significados utilizados nesta pesquisa, sobre o qual orbitam as discussões teóricas e lutas políticas enfocadas nesta tese, propus provisoriamente um significado analítico para os faxinais, como: terras tradicionalmente ocupadas que designam situações a produção familiar de acordo com suas possibilidades variavelmente combina apropriação privada e comum dos recursos naturais, sendo o controle e uso dos recursos considerados comuns à existência física e social - especialmente pastagens naturais, cursos d’água, subprodutos florestais - exercido de maneira livre e aberta de acordo com normas específicas consensualmente definidas pelo grupo social, circunstancialmente denominado por expressões locais, a saber: “criador comum aberto”, “criador comum cercado”, “criador criação alta” e “mangueirão”.
As diferentes denominações empregadas resultam da verificação de situações referidas a categorias produzidas localmente pelos agentes sociais para designar sua condição social, tais expressões territoriais compõe distintas unidades sociais, decorrentes de diferentes níveis de organização e conflitos face antagonistas históricos e atuais, em que o controle e domínio dos recursos considerados básicos para a reprodução do grupo social é o centro das disputas.

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