terça-feira, 29 de junho de 2010

A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM FEMININA LUÍSA NO ROMANCE PORTUGUÊS O PRIMO BASÍLIO: A MULHER UMA VOZ SOCIAL SILENCIADA

Resumo

A construção da personagem feminina no romance O primo Basílio, se constitui uma abordagem que traz a discussão o papel social da mulher portuguesa, especialmente, na sociedade lisboeta no século XIX. Essa análise permite refletir sobre a educação recebida por essa sociedade, a qual pretendia formar uma mulher passiva, alheia as questões sociais e políticas. As regras sociais eram mecanismos que favoreciam aos homens e silenciavam a voz feminina. O romance denuncia de forma severa esta hipocrisia social e religiosa.



O romance português O primo Basílio traz uma representação da mulher na sociedade portuguesa, especialmente, da burguesia do século XIX. Nesta obra a personagem Luísa, apresenta características que evidenciam o lugar ou não lugar da mulher na sociedade lusitana. Pode-se observar que a educação feminina é descrita como sentimental, romântica, na qual a mulher tem o seu mundo limitado pelo ambiente doméstico. Neste cenário o casamento é visto como um ritual falido, mantido apenas para satisfazer as regras de uma sociedade hipócrita e superficial.
Nesta perspectiva, o lugar da mulher, representada por Luísa, se limita à administração da casa, sua rotina é bem definida pela música, atividades domésticas e leitura de livros, romances românticos, que denota uma visão idealizadora da vida, um mundo criado, fantasiado que escamoteia a realidade. A personagem parece dizer para o leitor atento, que seu mundo é demarcado pela redoma da família, da casa. A voz da mulher não consegue transpor os limites sociais que lhe é imposto, isto pode ser observado pela ausência da mulher nas questões sociais, políticas e culturais. Luísa está totalmente isolada das questões sociais, seu silêncio parece ser preenchido pela ociosidade, leitura e fantasias.
O silêncio feminino parece ser um determinismo social, isto é evidenciado quando Luísa demonstra sua fragilidade, pois ela sempre está dependente do homem, primeiro do marido, dependência financeira, moral, social. No segundo momento ela se torna dependente da paixão, da fantasia, do mundo idealizado, mesmo sendo desvalorizada quando é levada, pelo personagem Basílio, para um cenário pobre, feio, quase animal, no qual o adultério se consuma. Observe que ela não reage, não vê alternativa. Aceita passivamente o fato de ser nascida para o amor, ou sexo, para a satisfação dos apelos masculinos. Este conceito social dar evidencias de que está internalizado em Luísa a passividade feminina.
Outra manifestação do silêncio feminino é visto quando ela quebra uma regra social, a fidelidade conjugal, a partir desse momento um conflito interior se instala na vida de Luísa. Ela vive o drama do repúdio social, visto que, no imaginário social a infidelidade masculina é aceita como normal à natureza do homem, mas, a infidelidade feminina é sinônima de imoralidade, pecado imperdoável. Assim, Luísa não consegue repudiar este conceito hipócrita da sociedade e sofre chantagem para manter em sigilo o segredo, aceita a inversão de papeis dentro de sua própria casa, a senhora torna-se serviçal. Esta construção social sobre o papel da mulher na sociedade portuguesa, se reveste de um poder que determina o destino da personagem Luísa. Ela não consegue superar o sentimento de culpa, e mesmo recebendo o perdão morre.
Este cenário provavelmente aponta a existência de várias opções para a questão da mulher na sociedade em discussão. Uma opção é subverter os valores sociais, deixar ecoar voz sufocada pelo estilo de vida social hipócrita, questionando os valores postos, que insenta o homem e condena a mulher. Luísa iniciou esse processo, mas não conseguiu ir além. Entretanto, a mensagem deixada pela personagem lança as raízes das possibilidades de mudanças nas estruturas sociais, e isto ocorre quando a mulher deixar de viver a concepção de vida idealizada, para vivenciar novas realidades.
Neste texto, o estilo queirosiano é bastante forte, ou seja, há aqui uma crítica a hipocrisia religiosa e social. Na obra parece ecoar uma voz que quebra o silêncio, dizendo: mulheres repudiem a padrão social que vos oprimem, desçam os degraus da fantasia, caiam na realidade, existe um mundo diferente fora da prisão domiciliar. Essa voz é um recurso da literatura, que utiliza uma imaginação livre da ideologia dominante, denominada por Schuiler de imaginação desagrilhoada, ele diz que:
A imaginação desagrilhoada é sensível às transformações, à diversificação da linguagem e da cultura [...]. A imaginação desagrilhoada protege o romance de restrições classicizantes [...]. O romance hostiliza quaisquer padrões, sejam eles leis científicas ou rigidez burocrática. (Schuiler, 1989 p. 76).
Portanto, a reflexão sobre a personagem feminina no Romance O primo Basílio, se constitui uma abordagem pertinente para se discutir o papel da mulher na sociedade, não só na portuguesa no século XIX como também nas sociedades modernas. Visto que, nas sociedades ocidentais, mesmo tendo a mulher conquistado espaço em diversos setores sociais, políticos e culturais, ainda se discute o silêncio da mulher, por exemplo, o silêncio feminino diante da violência sexual e doméstica. O silêncio social da mulher se constitui uma abordagem de grande relevância para o mundo moderno.

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