A explicação popular mais difundida sobre a origem da feijoada é a de que os senhores – das fazendas de café, das minas de ouro e dos engenhos de açúcar – forneciam aos escravos os "restos" dos porcos, quando estes eram carneados. O cozimento desses ingredientes, com feijão e água, teria feito nascer a receita. Tal versão, contudo, não se sustenta, seja na tradição culinária, seja na mais leve pesquisa histórica. Segundo Carlos Augusto Ditadi, especialista em assuntos culturais e historiador do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, em artigo publicado na revista Gula, de maio de 1998, essa alegada origem da feijoada não passa de lenda contemporânea, nascida do folclore moderno, numa visão romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.
O padrão alimentar do escravo não difere fundamentalmente no Brasil do século XVIII. Continuava tendo como base a farinha de mandioca ou de milho feita com água e mais alguns complementos, ou seja, o que fora estabelecido desde os primórdios. A sociedade escravista do Brasil, no século XVIII e parte do XIX, foi constantemente assolada pela escassez e carestia dos alimentos básicos, em decorrência da monocultura, da dedicação exclusiva à mineração e do regime de trabalho escravo, não sendo raros os óbitos por alimentação deficiente, incluindo a morte dos próprios senhores.
O escravo não podia ser simplesmente maltratado, pois custava caro e era a base da economia. Devia comer três vezes ao dia. Geralmente almoçava às 8 horas da manhã, jantava à 1 hora da tarde e ceava por volta de 8 ou 9 horas da noite. Nas referências históricas sobre o cardápio dos escravos, constatamos a presença inequívoca do angu de fubá de milho, ou de farinha de mandioca, além do feijão temperado com sal e gordura, servido muito ralo e a ocasional aparição de algum pedaço de carne de vaca ou de porco. Alguma laranja colhida do pé complementava o resto, o que evitava o escorbuto. Às vezes, em final de boa colheita de café, o capataz da fazenda podia até dar um porco inteiro aos escravos. Mas isso era exceção. Não existe nenhuma referência conhecida a respeito de uma humilde e pobre feijoada, elaborada no interior da maioria das tristes e famélicas senzalas.
Existe também um recibo de compra pela Casa Imperial, de 30 de abril de 1889, em um açougue da cidade de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, no qual se vê que consumiam-se carne verde, de vitela, carneiro, porco, linguiça, linguiça de sangue, fígado, rins, língua, miolos, fressura de boi e molhos de tripas. O que comprova que não eram só escravos que comiam esses ingredientes, e que não eram de modo algum "restos". Ao contrário, eram considerados iguarias. Em 1817, Jean-Baptiste Debret já relata a regulamentação da profissão de tripeiro, na cidade do Rio de Janeiro, que eram vendedores ambulantes, e que se abasteciam destas partes dos animais em matadouros de gado e porcos. Ele também informa que os miolos iam para os hospitais, e que fígado, coração e tripas eram utilizados para fazer o angu, comumente vendido por escravas de ganho ou forras nas praças e ruas da cidade.
Portanto, o mais provável é creditar as origens da feijoada a partir de influências europeias. Provavelmente, sua origem tem a ver com receitas portuguesas, das regiões da Estremadura, das Beiras e de Trás-os-Montes e Alto Douro, que misturam feijão de vários tipos - menos feijão preto (de origem americana) - linguiças, orelhas e pé de porco. De fato, cozidos são comuns na Europa, como o cassoulet francês, que também leva feijão no seu preparo. Na Espanha, o cozido madrilenho, e, na Itália, a “casseruola” ou "casserola" milanesa são preparados com grão-de-bico. Aparentemente, todos estes pratos tiveram evolução semelhante à da feijoada, que foi incrementada com o passar do tempo, até se transformar no prato da atualidade. Câmara Cascudo observou que sua fórmula continua em desenvolvimento.
A feijoada já parece ser bem conhecida no início do século XIX, como atesta um anúncio, publicado no Diario de Pernambuco, na cidade do Recife, de 7 de agosto de 1833, no qual um restaurante, o Hotel Théâtre, recém-inaugurado, informa que às quintas-feiras seria servida "feijoada à brasileira". Em 3 de março de 1840, no mesmo jornal, o Padre Carapuceiro publicava um artigo, no qual dizia:
Cquote1.svg Nas famílias onde se desconhece a verdadeira gastronomia, onde se tomam regabofes, é prática usual e comezinha converter em feijoada os fragmentos do jantar da véspera, ao que chamam enterro dos ossos [...] Lançam-se em uma grande panela ou caldeirão restos de perus, de leitões assados, fatacões de toucinho e de presunto, além disto bons vassalhos de carne seca vulgo ceará, tudo vai de mistura com o indispensável feijão: fica tudo reduzido a uma graxa! [4] Cquote2.svg
— '
Em 1848, o mesmo Diario de Pernambuco já anunciava a venda de "carne de toucinho, própria para feijoadas, a 80 réis a libra". No dia 6 de janeiro de 1849, no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, é comunicado que a recém instalada casa de pasto "Novo Café do Commércio", junto ao botequim da "Fama do Café com Leite", servirá em todas as terças e quintas-feiras, a pedido de muitos fregueses, "A Bella Feijoada à Brazilleira".
[editar] Composição
A feijoada completa, tal como a conhecemos, acompanhada de arroz branco, laranja em fatias, couve refogada e farofa, era muito afamada no restaurante carioca G. Lobo, que funcionava na rua General Câmara, 135, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O estabelecimento, fundado no final do século XIX, desapareceu em 1905, com as obras de alargamento da rua Uruguaiana. Com a construção da avenida Presidente Vargas, na década de 1940, esta rua desaparece por definitivo.
Nos livros Baú de Ossos e Chão de Ferro, Pedro Nava descreve a feijoada do G. Lobo, elogiando aquela preparada pelo Mestre Lobo. Sobretudo, revela-se na presença do feijão-preto, uma predileção carioca. A receita contemporânea teria migrado da cozinha do estabelecimento G. Lobo para outros restaurantes da cidade, bem como para São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Bares e botequins das grandes cidades do Centro-Leste também a adotaram com sucesso. Mas ressalva Pedro Nava que é (...) "antes a evolução venerável de pratos latinos".
Cquote1.svg No meu Baú de Ossos referi, repetindo Noronha Santos, que a feijoada completa é prato legitimamente carioca. Foi inventado na velha Rua General Câmara, no restaurante famoso de G. Lobo, cujo nome se dizia contraído em Globo. Grifei, agora, o inventado, para marcar bem marcado seu significado de achado. Não se pode dizer que ele tenha sido criação espontânea. É antes a evolução venerável de pratos latinos como o cassoulet francês que é um ragout de feijão-branco com carne de ganso, de pato ou de carneiro – que pede a panela de grés – cassole – para ser preparado. Cquote2.svg
— Pedro Nava em Chão de Ferro.
A feijoada de qualquer forma, se popularizou entre todas as camadas sociais no Brasil, sempre com espírito de festa e celebração. Ficaram famosas na lembrança, aquelas preparadas no final do século XIX e início do XX, na cidade do Rio de Janeiro, pela baiana Tia Ciata.
E anteriormente, o escritor Joaquim José de França Júnior, em texto de 1867, descreve ficticiamente um piquenique no campo da Cadeia Velha, onde é servida uma feijoada com "(...) Lombo, cabeça de porco, tripas, mocotós, língua do Rio Grande, presunto, carne-seca, paio, toucinho, linguiças (...) ", e, em 1878, descreve uma "Feijoada em [Paquetá]", onde diz que: " (...) A palavra – feijoada, cuja origem perde-se na noite dos tempos d’El-Rei Nosso Senhor, nem sempre designa a mesma coisa. Na acepção comum, feijoada é a iguaria apetitosa e suculenta dos nossos antepassados, baluarte da mesa do pobre, capricho efêmero do banquete do rico, o prato essencialmente nacional, como o teatro do Pena, e o sabiá das sentidas endeixas de Gonçalves Dias. No sentido figurado, aquele vocábulo designa a patuscada, isto é, "uma função entre amigos feita em lugar remoto ou pouco patente" (...)".
Atualmente, espalha-se por todo o território nacional, como a receita mais representativa da cozinha brasileira. Revista, ampliada e enriquecida, a feijoada deixou de ser exclusivamente um prato. Hoje, como também notou Câmara Cascudo, é uma refeição completa.
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