sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A Lei, a gestão e a privatização do saneamento básico no Brasil

Lançada há mais de 1 ano, a Lei n.º 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, prevê princípios fundamentais, objetivos e ações que promovam a igualdade social e territorial no acesso ao saneamento básico. À letra da lei, o saneamento acontece, mas na prática a realidade é bem diferente.



Segundo a pesquisa "Impactos Sociais de Investimentos em Saneamento" da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a falta de saneamento básico atinge 47% da população brasileira, sendo as crianças de 1 a 6 anos as principais vítimas. A pesquisa ressalta que apenas em 2122 o Brasil deve ter acesso total a esgoto. Isso porque o desenvolvimento do saneamento básico ocorre em marcha lenta e poucas são as alternativas para a prestação de serviço desse segmento.




erosao e colapsao

Esse é o resultado da falta de saneamento
A gestão do saneamento básico no Brasil é irregular. Nem todos os municípios possuem esse serviço, eles sofrem com a ausência de estrutura sanitária eficiente. Além disso, grandes metrópoles enfrentam a batalha causada pelo desordenamento urbano, que dissemina a população. Há ainda a influência política-econômica e a desorganização social como fatores que atrasam o desenvolvimento do saneamento adequado.

No entanto, alternativas para a prestação desse serviço surgiram no país, principalmente no governo Fernando Henrique Cardoso, quando a privatização do saneamento básico no Brasil teve seu auge. Atualmente, 37 empresas estrangeiras trabalham em território brasileiro, principalmente na região Sudeste e Centro-Oeste. Os problemas para a implementação total da privatização no país dizem respeito às dificuldades jurídicas institucionais, o aumento da taxa de desemprego, a exploração dos recursos hídricos e a exclusão da população mais pobre na cobertura do serviço. Entre as vantagens da privatização, a esperança em contar com um serviço que, mesmo devendo ser público, pode ser oferecido adequadamente à população.

Sujeito ou não à privatização, a falta de saneamento é uma das causas de ocorrência de doenças nas populações desprovidas desse tipo de infra-estrutura pública. Além disso, a falta de coleta de degetos de esgoto contamina rios, lagos e até mananciais de água potável, por conta de seu escoamento in natura, sem o devido tratamento de esgoto. Prova disso está no alto índice de poluição nos rios e, no caso das metrópoles, o surgimento de doenças graves.

À ausência de saneamento básico associa-se, também, problemas na saúde pública como é o caso da epidemia de dengue que registra mortes no Rio de Janeiro. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, a expansão desordenada dos centros urbanos onde as pessoas vivem em condições precárias, sem acesso a sistemas adequados de fornecimento de água, tratamento de esgoto e coleta de lixo, é um dos fatores que facilitam a entrada, permanência e disseminação do mosquito Aedes aegypti, causador da dengue entre elas a hemorrágica, que já matou mais de 60 pessoas. Devido a esses fatores, a Fundação adianta que a erradicação da dengue é praticamente impossível. Ela destaca que a única coisa que pode ser feita é controlar a presença do mosquito. Quanto às ações sociais e políticas, espera-se consciência e projetos para diminuir o índice de vítimas fatais.

Em entrevista à Revista das Águas, o procurador da República em Blumenau e coordenador do subgrupo de tratados internacionais em meio ambiente e patrimônio cultural da 4ª Câmara do Ministério Público Federal, Ricardo Kling Donini, falou sobre os principais problemas que cercam a falta de saneamento básico no Brasil.

Revista das Águas: Efetivamente, o que mudou após 1 ano da publicação da Lei de Saneamento?

Ricardo Kling: Muito pouco. Tenho conhecimento de que praticamente nenhum plano de saneamento básico foi elaborado, há falta de conhecimento técnico, além de recursos financeiros, para a maioria dos municípios elaborarem o plano e implementarem a lei. O que houve, e isso se deu independentemente da lei, foi que através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram liberados recursos para que municípios realizassem ações de saneamento básico, mas na sua grande maioria referentes a projetos que já apresentados antes da edição da lei.



Revista das Águas: À letra da lei, o saneamento é perfeito. Na prática, é uma utopia pública. Como reduzir esse extremo e oferecer à população condições mínimas para uma vida saudável?

Ricardo Kling: A meu ver, a resolução do problema passava por dois pontos principais: o primeiro era a falta de marco regulatório preciso sobre o sistema, que foi resolvido com a edição da nova lei de saneamento básico, e o segundo, que ainda persiste, é a questão dos recursos financeiros, mesmo com os anunciados recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso porque a maioria dos recursos disponíveis no PAC para saneamento é via financiamento pela Caixa Econômica Federal, e não por repasse direto e não oneroso de recursos pelo governo federal.

Revista das Águas: Quais são os problemas do saneamento básico no Brasil? O que impede que ele aconteça?

Ricardo Kling: Atualmente, os problemas principais são a falta de recursos financeiros e também a falta de capacidade técnica dos municípios para planejar e gerir os serviços de saneamento básico. Partindo-se do pressuposto de que a nova lei realmente resolverá a lacuna legal regulatória que existia anteriormente, a grande questão fica no modo escolhido pelo governo federal para investimento no setor, via financiamento, já que a maioria dos municípios do país não tem condições financeiras para os grandes investimentos necessários em saneamento, que deveria ter contribuição direta e não onerosa muito maior por parte do governo federal.

Revista das Águas: A privatização do saneamento básico é uma alternativa para o problema?

Ricardo Kling: Depende. Creio que a privatização seja importante especialmente para a gestão do sistema e na realização de investimentos pontuais. Todavia, a condição do saneamento básico no país é péssima, e os investimentos a serem feitos no setor são muito altos a ponto de se acreditar que possa interessar à iniciativa privada assumir esses investimentos, até porque a equação econômico-financeira dos contratos seria demasiadamente desfavorável ao consumidor. Em suma, a iniciativa privada não fará caridades, e buscará sim o lucro em suas investidas no setor, o que obviamente não se coaduna com o grande déficit de cobertura hoje inexistente, que exige investimento maciço e permanente. No entanto, associado o investimento público com gestão privada poderá sim ser alternativa, embora a profissionalização dos serviços públicos de saneamento também seja interessante.

Revista das Águas: Como as empresas preferem os grandes centros porque geram mais lucros, como a privatização aconteceria nos municípios menos favorecidos financeiramente?

Ricardo Kling: A alternativa para os pequenos municípios são os consórcios públicos, onde os titulares dos serviço se unem para gestão associada do sistema, de modo a dividir custos e despesas para prestação dos serviços. Mas é importante destacar que a concessão dos serviços à iniciativa privada não é a única forma de prestação de serviços, e nem a mais adequada, a nosso ver, exatamente em razão dos grandes investimentos públicos que acreditamos que devem ser feitos no setor, além da importância estratégica do setor para o município. Portanto, somos da opinião de que a gestão pública, desde que eficiente, é a mais adequada para o setor.

Revista das Águas: A falta de saneamento em determinados lugares no país, como no caso do Rio de Janeiro, onde registra-se a epidemia de dengue, passa de problema de serviço público para problema de saúde pública. Por que não investir no saneamento para polpar a saúde?

Ricardo Kling: Em verdade, o governo federal tem considerado, dentro do orçamento da União, o investimento em saneamento básico como investimento em saúde, quando na prática sabemos que cada um tem suas especificidades. O fato é que o déficit deixado pelos outros governos na área do saneamento é imensa e a lei de saneamento reconheceu esse fato, permitindo que a universalização dos serviços, que na verdade é a prestação dos serviços de saneamento a todos, se dê de forma gradativa, de acordo com as possibilidades de cada titular do serviço. Portanto, penso que o governo federal já tem noção precisa de que investir em saneamento é investir em prevenção de saúde, mas lhe faltam recursos, ou maior prioridade na destinação desses recursos, para o saneamento básico.

Revista das Águas: Fale sobre o seu artigo acerca do saneamento básico no Brasil, publicado na Revista de Direito Ambiental.

Ricardo Kling: O artigo é um comentário detalhado de cada um dos dispositivos da lei, com a divisão em tópicos como: panorama constitucional e legal em que se insere a nova lei, seus objetivos, seus princípios fundamentais, plano de saneamento básico, regulação, aspectos econômico-sociais e técnico-ambientais e política federal de saneamento básico. O artigo faz ainda análise crítica dos pontos que entende mais relevantes, especialmente sobre os direitos dos usuários, sobre a regulação dos serviços, sobre o equilíbrio-econômico financeiro dos contratos e sobre aspectos ambientais relacionados à lei. Ademais, o artigo também levanta algumas inconstitucionalidades da nova lei, que foram inclusive objeto de representação ao Procurador-Geral da República para interposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN).


Você sabia?



• Cerca de 8,6 milhões (17,5%) dos 49,1 milhões de domicílios no Brasil em 2003 não eram atendidos por rede geral de abastecimento de água?

• Segundo dados do Governo Federal apenas 28,2% do esgoto sanitário coletado nos domicílios brasileiros recebe tratamento e só uma pequena parcela tem destinação final sanitariamente adequado no meio ambiente?

• 15 crianças de 0 a 4 anos morrem por dia no Brasil em decorrência da falta de saneamento básico, principalmente de esgoto sanitário? (FUNASA – FSP 16/7/00)

• 1 bilhão de pessoas não dispõem de água potável e 1,8 bilhão não têm acesso a sanitários e esgoto?

• Algumas doenças relacionadas à falta de rede de esgotos: hepatite A, diarréias, disenterias, dengue, febre amarela, malária e leptospirose.

• Para cada R$ 1,00 real investido em saneamento economiza-se R$ 4,00 na área de medicina curativa?

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