segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Zé Celso


O Teatro é a propia vida. A todo tempo estamos agindo, com as máscaras necessárias de Dionísios que usamos descartavelmente quando precisamos praticamente agir. Mas na esfera da Foda dos Estetas, na Arte, do Amor entre Poetas, quando conseguimos o elo apaixonado com o Outro: nosso Outro, e o Outro que não somos nós, o Outro Multidão: dá-se o fenômeno da Estasia, da catarsis, do Teat®o.
Não é uma Arte de mão única. O Teat®o existia antes de meu aparecer no mundo, ele me encantou, mas quando me dei a ele no meu segundo nascimento, quando compus com 21 anos minha primeira música de introdução de minha primeira peça, que veio em 40 minutos, descobri que estava dentro desta Arte. Que ela tinha me parido mas daí em diante seria eu também gerador dela, ela desejaria e necessitaria de minha criação com a de muitos outros, com Companhias, “Tyazos”, como se diz na língua de fogo de Dionisios.

4 – Que pretende com seu teatro?
Como você já deve ter percebido escrevo teat®o, com o r entre parêntesis. Acredito que é uma arte ligada ao ato, à ação, ao movimento. Não de uma “intriga”, de um “drama”, de “plot” como dizem os americanos. Detesto o drama. Minha Paixão é a TragyKomédiOrgya, a ação ligada à fatalidade das muitas mortes em vida, muitas mortes iniciáticas, pois a vida é deliciosamente trágica. Todos nós temos uma única certeza: morremos, e muitas vezes em vida ainda, repito: conseguindo às vezes ressucitar e outras vezes não, épocas em que perambulamos como mortos vivos.
Mas o Teatro ao mesmo tempo é a Casa do Caralho! A primeira procissão que saiu dos subterrâneos Orgyasticos dos “Mistérios de Eleusys” foi a Comédia com seu culto a uma Árvore-Caralho, trazendo a gargalhada rasgada da Alegria. Este cortejo de Satyros brotou das Orgyas, tanto nos suterrâneos orgyasticos como no amassar das uvas, para fabricar-se o vinho, bacantes e satyros, enchendo as caras, incorporado na bebedeira alcolátra, entidades, desenhando no chão com os pés, que dançavam os Ditirambos, a forma arquitetônica das Arquibacadas Orelhas do Teatro Grego Antigo.
A Cultura mais forte hoje é a do Ditirambo Dionisíaco, q está no Samba, no Funk, no Rock, no Hip Hop, na Salsa, enfim em tudo que suinga, mexe com as cadeiras, roda ao som do tambor, no canto, na dança, em torno do fogo ou na Pista Cyber. A Orgya renasce num mundo pós newtoniano, pós mecânico em que tudo se liga e o amor se liberta da prisão edipiana do micro estado da Família. Como no “Banquete”, de Sócrates, “fidelidade ao amor, que em todo canto soa, e não à uma pessoa”. Aliás nós montamos “O Banquete”, que transcriamos em verso e música e libertamos das visões dos monges medrosos da idade Média que consideravam o amor platônico sem amor carnal, separavam o corpo da alma, senão eram queimados.
Mas resumindo, desejo que o teatro seja um Esporte de Multidões, como foi para Ágatao, personagem que oeferece o “Banquete” vindo de uma representação para 30.000 mortais. Mas não tem nada a ver por exemplo com o “Cirque Du Soleil” que é muito bonito, mas enquadrado no curral da cultura do Teatrão Mercado dos Bons Costumes.
Nosso maior poeta Oswald de Andrade, na Grécia Carnavalesca do Brasil, encontrou o “Teatro de Estádio” para Paixão do Povo, para a Emoção e a Catarse do Povo, onde não haja Bodes expiatórios mas Bodes Cantores de todos os Tabus, a maior riqueza que a humanidade tem reprimida, transmutada em Tótens, em Sagração da Vida sem Pecado.

Como Rimbaud dizia: “Eu é um Outro”. O Artista é este outro que caga seu “ego” e se pluga nas energias do corpo sem órgãos de cada instante e cria mais vida. É mais um desconstrutor. No ato de desconstruir as formas da Sociedade de Espetáculos, produção do “ego” para vender seu peixe. Curral de escravos dentro de uma prisão sem vida, mas de muito luxo. Existe nessa sociedade dos caretas, um corpo colonisado, como os EEUU são até hoje. Insistindo nas guerras coloniais como no Afganistão. É impressionante um ser sofisticado e lindo como o Obama tendo de fazer continência, como se viu na semana passada em fotos da Mídia, para uma meia dúzia de mortos dos soldados da colonização americana, carregados por um bando de soldados bonecos, ignorando as centenas de mortos dos povos ditos ainda “do mal”, “bárbaros”.
O artista começa por descolonizar seu próprio corpo q no ocidente é regido por uma irracional Razão localizada numa parte do cérebro, como um Papa, um Rei ou um General que escraviza seu instinto e seu encontro com o surreal, com o Outro, com o sonho. O Artista tira as viseiras desta sociedade de cativeiro e entra em contato com a coisa em si, com o fenômeno sem nome, sem dono, sem marca, que são as coisas da vida. O Artista é um grande libertador da consciência positivista aprisionada do rebanho, e introduz o corpo no universo descolonizado, errando viajante com o Sol, sincrônicos aos milhares de micro e macrouniversos.

Teatro é alquimia?
Claro. Nos ensaios passamos por uma morte alquímica iniciática e buscamos combinações das mais rimbaudianas misturas de matérias sutis e óbvias, e mesmo quando estreamos, com o público, vivemos um cadinho sempre em mutação e combinação de fatores antogônicos dançando sem jamais encontrar uma síntese…

Teatro é milagre ou faz milagre?
Os dois.

O que pensa da esquerda brasileira; se é que ela existe?
Há uma esquerda cuecona, que cultiva o ressentimento, a “resistência”, palavra que detesto e troco por re-existência, mas existem hoje como em todo mundo muitas outras esquerdas que contracenam até com a direita. Pois não focam mais a Política exclusivamente na luta de classes e na infra estrutura do capitalismo.
A Luta de classes existe, mas mais forte que ela é a dissolução das classes, as desclassificações, e a descoberta óbvia que a Cultura não é Super Estrutura, mas Infra-Estrutura. A Economia Financeira Especulativa, relação senhor escravo na luta de classe é uma produção dos seres humanos escravizados que não acreditam no seu poder transhumano. O Teatro é um lugar de Poder e de Phoder. Temos no Brasil a sorte da palavra poder com ph, como se escrevia antigamente, ser ao mesmo tempo o “hoder”, ah, em espanhol tem a ver também. O Poder vem do carisma humano, de quem cultiva a vida como arte, o Poder de presença que tem o Grande Ator diante da pequeneza daquele homúnculo escondido atrás do poder das armas e do Capital. Acredito que no movimento “Tropicália” no ano de 1967, surgido no Brasil, como retorno à Antropofagia de Oswald de Andrade, poeta que escreveu seu “Manifesto Antropófago’ em 1928 e aos Índios Antropófagos Caetés, da tribo do Presidente Lula que nasceu numa cidade que tem este nome no Nordeste, bem, acredito que a “Tropicália” corresponde ao que foi na obra de Hélio Oiticica, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, José Vicente, Plínio Marcos, Nelson Rodrigues, num embrião de luta armada, em canções, peças de teatro, filmes, obras de arte que tiraram o quadro da parede e o vestiram, uma espécie de Manifesto Comunista dos tempos de hoje. Escrevi um prefacio da tradução brasileira de “Brutality Garden” de Chris Dunn, um “brasilianista”, como chamamos aqui os estudiosos das coisa brasileiras, no caso criador de um livro que percebe a Política Homossocial contemporânea na “Tropicália”. Prefaciando me dei conta da importância da categoria afetiva como categoria Política ligada ao movimento ecológico, pirata, antirracista, mais do que o multiculturalismo: a mestiçagem de tudo com tudo, a antropofagia!
“Todo revolucionário acaba se tornando um opressor ou um dissidente”, deixou escrito o escritor francês Albert Camus. É assim?
Não acredito em fatalidades, porque a própria interpretação do que é ser um revolucionário ou um dissidente viaja nesta mudança de era que vivemos com milhares de outros sentidos.

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